C1 ☁

2.7K 262 279
                                    

C1 ☁

𝓙𝓪𝓮 𝓗𝓾𝓷

Nada mais no mundo parecia importar enquanto eu assistia a Bernardo e Julinha caminharem lentamente em direção ao altar. A garota de cabelos dourados revezava entre pisar na barra do vestido rosado e jogar flores pelo caminho, ao passo que Bê vinha confiante por trás de seus óculos escuros, segurando uma maleta na qual guardava a Bíblia para a cerimônia e fazendo um ótimo trabalho como segurança de mentirinha. Meu coração pulava ao ritmo do Carnaval ao mesmo tempo que eu contava os segundos até que a grande porta fosse aberta e o tapete vermelho vazio desse lugar a uma passarela de prestígio para a noiva mais linda de todos os tempos. Quando a porta enfim se abriu, uma hora depois do horário previsto, o meu primeiro amor pisou vacilante sobre o tapete aveludado e, grudada aos braços de Vicente, veio até o altar com os olhos cheios de lágrimas.

Parecia um sonho.

E era triste que a realidade me acordasse de modo tão brusco com um chute na costela ao ver o padrasto de Malu entregá-la a Guilherme, e não a mim.

É isso, este casamento não é o meu. Sou apenas o padrinho idiota!, repeti mentalmente, de cabeça baixa, fitando meus sapatos. Quem diria que meu primeiro amor se casaria com alguém que não fosse eu?

Uma mão quente alcançou minhas costas, dando batidinhas de con- solo. Cobri o rosto em humilhação ao sentir o olhar de pena do primo da Malu em mim.

— Sei que é emocionante, mas dá uma segurada aí, cara! — cochichou Mateus, cutucando meu braço. Sequei os olhos pela décima vez. — Sei que tá feliz por ver sua melhor amiga finalmente se casar, mas você tá chorando mais que a mãe da noiva.

Aos prantos dentro daquele terno apertado, era bem capaz que pen- sassem que eu estava mesmo prestes a morrer de orgulho, quando na verdade estava desamparado. Sem chão.

Eu me perguntava se seria muito exagero chamar uma ambulância por causa de um coração partido. É que meu órgão pulsante apertava a ponto de me fazer pensar que eu cairia duro no chão. E se isso acon- tecesse mesmo?

Amassei a camisa branca de botões na altura do peito, segurando um grunhido. Talvez eu acabasse de fato infartando.

Quanto eu deveria ser fadado ao fracasso para me tornar o maldito padrinho de casamento da minha melhor amiga? Ela não só era o meu primeiro amor desde os sete anos, como ainda é agora, mesmo tendo passado quinze anos desde então.

— Estamos aqui hoje para celebrar a união de Guilherme Soares e... — O pastor velhinho tirou os óculos e olhou o papel mais de perto, com uma expressão confusa. — Eu preciso dizer o nome completo. É Maria Luísa, não?

A noiva fez uma careta esquisita, um misto de raiva e, sei lá, dor de barriga, talvez.

— Pelo amor de Deus, todo mundo sabe que ela odeia esse nome, só continua — intervim, mais alto do que gostaria, arrancando algumas risadas.

Mateus me deu outro cutucão e um pisão no pé. Malu me olhou de canto de olho, e Guilherme franziu o cenho.

— Bem... — O pastor pigarreou, ouvindo as risadinhas dos convidados, e colocou os óculos de volta, a careca brilhando logo abaixo da luz, reluzindo como um espelho. — Guilherme Soares e Malu Guimarães, esta união é de grande alegria para todos nós aqui presentes.

Ô se é!

— Aposto que o céu está em festa e que os anjos dançam alegres por este casamento abençoado.

Aposto que sim.

Não escutei o que veio depois disso. Me concentrei em não desmaiar, vomitar ou ter um infarto em público e, principalmente, em manter a pose para não sair verde nas fotos.

Quase meia hora de blá atrás de blá, e eles enfim deram as mãos para trocar os votos.

Guilherme começou, confiante, com um sorriso enorme no rosto, enquanto eu podia ler bem o rosto de Malu: ela estava mesmo prestes a ter uma crise de dor de barriga. Eu conhecia aquela expressão melhor do que gostaria de admitir. Em todos esses anos, aquela trocadinha de pernas e o cenho franzido causaram problemas demais em horas inadequadas. Seu rosto se contorcia em caretas que seriam hilárias, ainda mais vistas na filmagem do casamento alguns anos mais tarde, quando eu não estivesse mais num humor tão deplorável ou sofrendo por um coração partido, quem sabe. Um tanto discreta, ela trocou o peso do corpo de uma perna para a outra. Fiz as contas e deduzi que, se a cerimônia não acabasse logo, teríamos um acidente épico para relembrar pelos oitenta anos seguintes.

— Srta. Malu? — chamou o pastor cabeça-de-espelho outra vez. — Sua vez de dizer os votos.

Ela tinha, no máximo, dez minutos.

— Eu... hmm, eu...

Notei quando ela se curvou um pouco e mordeu o lábio.

legal, talvez cinco.

Seu rosto pingava suor, mesmo que a brisa do ar-condicionado fosse gelada o bastante para nos dar calafrios.

— É...

— Alguém salva essa garota, pelo amor de Deus — murmurei, batucando ansiosamente a ponta dos dedos na lateral da coxa.

— O quê? — perguntou Mateus.

— Ela vai explodir — avisei. — Alguém precisa fazer alguma coisa.

— Malu? — chamou Guilherme.

— Gui... Eu... É que...

No desespero, minha amiga me olhou com olhos suplicantes, e eu soube no mesmo instante o que fazer.

Passei na frente de todos os padrinhos e, sem pensar duas vezes, a agarrei pela mão e corri pelo tapete vermelho, esmagando as pétalas de rosas conforme os cochichos ressoavam pelo salão.

A multidão virou um alvoroço quando Malu ergueu a barra do vestido e me seguiu em silêncio. Tivemos que correr quase na velocidade da luz para não ser pegos por nenhum padrinho ou convidado. Os minutos estavam contados.

— Huni... valeu mesmo! — disse Malu, ofegante e feliz, assim que a deixei em frente ao banheiro mais próximo. Eu adorava a forma como meu apelido soava nos lábios dela. — Você é meu herói, mas... eu não consigo me virar sozinha com tudo isso de pano.

— Ah, você só pode estar brincando.

Ela não deveria ter pensado nisso antes de me pedir socorro?

— Claro que não tô! Anda, só tenho mais um minuto! — gritou.

— Tá — bufei —, vou chamar alguém.

— Chamar alguém? É sério? — Não tive tempo de fugir. Ela me agarrou pelo braço e me jogou para dentro daquele banheiro apertado antes de trancar a porta. — Jae, você é como um irmão para mim. Pelo amor de Deus, eu preciso de ajuda! Aguenta um cadim aí... Ai! Tá batendo na porta, segura isso!

A noiva jogou uma tonelada de pano para cima, me fazendo, no susto, segurar tudo no alto. Fechei os olhos na mesma hora e quase escorreguei num pedaço de papel higiênico molhado quando recuei um passo e dei com as costas na pia.

Em poucos segundos ouvi o barulho mais aterrorizante e traumático da minha vida, e foi então que eu soube: tudo estava bem outra vez.

No Dia do Seu CasamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora