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Caso alguém interceptasse Juliette há um ano e a dissesse que ela estaria em breve com um milhão e meio no bolso, uma boa taça morna de Cabernet nas mãos e a coroa do pódium que disputou com outras dezenove pessoas de todo o país acima da cabeça, ela jamais acreditaria. Mas era justamente essa a beleza da imprevisibilidade do destino, e, para ser bem sincera consigo mesma, Juliette estava especialmente satisfeita com o andar da sua carruagem.

Nada com ela vinha fácil, e reconhecer essa realidade não mudava o quão tétrica ela era. Foi na necessidade de se fortificar, de ter de superar os inúmeros obstáculos, que Juliette tinha desenvolvido toda aquela sua disposição ao humor. Quão irônico. O mesmo motivo que a fez ser terrivelmente segregada nas primeiras semanas de programa foi aquele que a deu o verdadeiro pontapé para se reconstruir dentro dele e vencê-lo. No final das contas, não era dinheiro, não era estratégia, não era sorte; era karma. Era a inevitável Lei do Retorno, que apunhalou, um a um, até o final.

Ela rodeou a taça devagar, especulativa. Com toda a mobilização depois de uma final esperançosamente aguardada, as grandes cabeças da Rede Globo não precisaram mover tantos palitos para que conseguissem engendrar a ideia apelativa de um reencontro embutido na proposta de uma festa. Era claro que seria uma tola e oblíqua tentativa de promover uma união entre os participantes pós-encerramento; e, não importando a máscara ética que vestissem, aquela ainda era uma investida enviesada aos olhos de Juliette. A rosa sob qualquer designação sempre teria igual perfume.

Neste caso, fedor. Bem pútrido, por sinal.

Juliette finalizou sua taça em um gole descuidado. Em resultado, teve de conter algumas gotas rebeldes de encontrarem seu queixo, e, ao se limpar com as costas de uma das mãos, percebeu que isso foi suficiente para arruiná-la a recente camada de seu emblemático batom vermelho-sangue.

Foi até o espelho do banheiro. Tudo ali era muito plácido, branco no creme e no cinza, quase sem cor. Se as paredes da Casa mais vigiada do Brasil vibravam em tons gritantes para manter seus habitantes sempre agitados, a escolha de tinturas nos hotéis responsáveis por acomodá-los prestava o serviço contrário. Juliette sentia que poderia dormir mais que uma especial colega de programa caso continuasse naquele lugar, e a comparação em si já dizia muito. Não era, nem sequer de perto, uma competição de fácil vitória.

Ela riu consigo mesma diante da ideia. Parecia tolice relembrar dos acontecimentos nos cem dias anteriores; piegas, coisa de criança. Tudo era maximizado quando limitado a poucas paredes, muitas provas e um número ainda maior de sonhos e objetivos a serem conquistados e superados. Maquinários não faltavam. Assim que eles deixavam o confinamento, era quase um consenso reconhecer que as coisas ganhavam novas ópticas quando se tinha tudo bem diante de si, todas as falas, todos os posicionamentos. Todos os sentimentos.

Juliette suspirou, aplicando o batom mais devagar do que deveria. Sentia-se pensativa. Estava assim há algum tempo, certamente um reflexo das intensas emoções que teve de enfrentar, mas ela ainda tinha uma pequena intuição de que não era apenas aquilo. Parecia ter um subtom, uma outra categoria, algo a mais que ela ainda não enxergava nas suas entrelinhas. Era frustrante a busca pelo que se trataria a sua pulga atrás da orelha, e Juliette, por mais que não fosse uma particular adepta da desistência, não quis insistir nisso. Ela acabaria em mais uma situação labiríntica; cega, sem rumo e, principalmente, sem respostas.

A suavidade em que o batom deslizava através de seus lábios era boa e consistente. Talvez não fosse apenas a noção de embelezamento, mas de toque lento, gradual, recorrente. Juliette se pegou se encarando no espelho retangular, e quase nada nela era muito reconhecível. Seus cabelos estavam mais curtos depois de apará-los, e seus olhos, menores, mais espertos, menos afoitos e mais mulheris. Ela parecia envelhecida, mas também vigorosa, digna de título. Era como se tivesse amadurecido muito rápido: vivido muito em pouco tempo. E era, de fato, o que havia acontecido, não era? Uma compressão magnânima, anos vividos em apenas cem dias.

Edge of Tonight ⋅ SarietteOnde histórias criam vida. Descubra agora