Prólogo

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O ano era 1888. Não fazem muitos meses que a princesa Isabel assinou a lei que não permitia que pretos, indígenas e mulatos fossem escravizados, o que fez com que essa população comemorasse de uma forma grandiosa, e claro, eu que não perco uma festança por nada não estaria de fora.Meu nome? Pedro, mas você vai me conhecer como Boto cor de rosa. É claro que não andaria com esse nome por aí não é? Imagine que eu me apresente para as pessoas com o nome de boto, provavelmente ririam da minha cara.


Nas lendas mais conhecidas, vocês me imaginam como um galã de branco, com um chapéu que anda apenas nas noites de lua cheia, mas sinto informar que nem sempre foi assim, aliás, eu também não ando na lua cheia, essa questão eu deixo pra outros seres místicos por aí, que te digo que não são poucos. Enfim, estou divagando nesse prólogo mais do que imaginei que iria divagar, então vou te explicar antes que meu tempo acabe.Eu nem sempre fui um boto, na verdade, era um adolescente de dezesseis anos comum, que vivia na floresta amazônica como qualquer outro. Minha pele tinha cor de barro claro, meus olhos um tom de mel puxado para o verde ao sol, considerado forte por ajudar na caça de comida da minha tribo, e pelas indígenas e visitantes, muito bonito. A questão é que não era bem aceito por todos, vim de uma mistura entre um português e uma indígena que tiveram um caso promíscuo. Minha mãe acabou sendo morta em sacrifício de seu amor por mim e pelo meu pai. Esse, sumiu pelo mundo. Alguns dizem que voltara para Portugal, outros que ficou louco na floresta, mas não me importa. Por conta disso, nunca fui plenamente aceito por lá, e por isso não me importava em seguir regras.


Sempre ia atrás de uma pessoa diferente pra saciar um vazio que me faltava desde pequeno, seja homem ou mulher, quando eu me encantava nada no mundo me faria tira-la (o) da cabeça até que conseguisse sua atenção e em seguida, seu amor condicional. Todos eram loucos por mim, eu era admirado pelos jovens não só de minha tribo como de tribos próximas também. Isso fez com que meu ego aumentasse cada vez mais, até que eu mexi com a pessoa errada, uma feiticeira que vivia no meio da selva.


Não a conhecia, tão pouco sabia o que estava fazendo na mata densa sozinha. Mas ela me conhecia, conhecia minha história, meus atos e o porquê deles. Isso me assustava, ela não era índia, não tinha um rosto pra ser sincero (ou apenas não lembro) era apenas uma mulher entre as árvores, vestida de verde com cabelos longos. Não sei ao certo pois desde aquele dia, as coisas não passam a ser nítidas em minha cabeça, talvez seja o cérebro pequeno de um boto que esteja com a memória tão curta, ou apenas algum feitiço de perca de memória que aquela mulher colocou sobre mim, mas de qualquer forma, desde que a vi, virei boto de dia e Pedro de noite. Foi aí que percebi que irritei uma divindade maior. Não sei ao certo qual, mas sei que ficou tão furiosa comigo a ponto de me transformar em um animal. Sabia que seu desejo era criar filhos do mar para ela, eu tinha em minha mente razões que mal sabia de onde vieram e o porque tinha que faze-las, mas eu queria fazer, sentia prazer nisso, então fazia.


Desde então, uso noites comuns para procurar a melhor presa, a mais vulnerável, aquela que sei que cederá cada vez mais pela sua carência e por um vazio ensurdecedor que entra pelas entranhas e não sai até ser preenchido, e em sua maioria, tudo momentâneo. Quando o dia da festa chegava, eu apenas saia do rio e ia em direção a festa, meu corpo por incrível (e estranho) que pareça, acabava se adaptando ao ambiente, então nem sempre me visto de branco, se essa foi uma questão que te pegou no início da minha narrativa.Minha primeira vítima lembro bem, foi Janaína, filha do Cacique. Era linda, modesta e muito quieta. Não me arrependo do que fiz, de forma alguma! É um instinto que não posso controlar, sendo assim não há culpa para ter, mas seu futuro depois de mim não foi dos melhores. A seduzi ao ponto de me acompanhar a beira do rio, conversamos, falamos sobre as estrelas que nos rodeavam, que pareciam infinitas, e hoje, sabemos que são. Fiz com que ela desse um mergulho comigo na lagoa e foi aí que tudo aconteceu, a primeira vez é inesquecível. Nunca me senti da forma como foi, e Janaína não ficou tão longe, também gostou e pediu que eu a procurasse novamente, claro, não o fiz. Alguns dias se passaram, e em todos esses dias Janaína estava a beira da lagoa me esperando, mas claro, não apareci. Percebi sua barriga crescendo conforme as semanas que ela me esperava, e foi aí que entendi. Era meu filho, filho do boto, filho das águas da Amazônia. Era isso que eu queria e precisava fazer para o resto da vida. O fim de Janaína foi trágico, como eu já mencionei há algum tempo atrás. O cacique ao descobrir sua gravidez não a perdoou. Não por estar grávida mas por não saber o paradeiro. Após a criança nascer, ela e Janaína foram obrigadas a sair da tribo, e por estar completamente enfeitiçada por mim, acabou indo morar a beira da praia. Vivia de peixes e algumas frutas das árvores, mas ela não acabou resistindo. A criança, que até hoje não sei se Janaína deu nome, sobreviveu. A noite, quando me transformei em Pedro novamente, peguei a criança e levei para o lugar que era sua casa, o fundo das águas mais profundas.


Agora vamos falar de algo mais atual. Já contei a minha história inicial a todos, mas sei que não é por isso que vocês estão aqui certo? Estão aqui para ler sobre a minha desgraça, sobre a decadência do tão famoso boto cor de rosa, que de namorador, foi a prisioneiro de uma dama. Mas não era só uma dama, era A DAMA, a mulher mais bela que já vi na vida, e olha que vivi tempo demais para procurar. Foram mais de 130 anos tendo a mesma forma, indo pelos rios do Brasil a fora e jamais em minha vida encontrei alguém como ela. Seu nome era Iara, tinha por volta de seus 20 anos, cabelos cacheados que lembravam as ondas do mar quando batiam nas pedras costeiras, seu corpo parecia o violão o qual custei aprender a tocar, cheio de curvas. Sua voz era melodia, não parecia que falava e sim cantava a cada palavra dita. Seus olhos escuros, pretos como minha fruta favorita, a jabuticaba refletiam o que ela era por dentro: DEUSA. Era o único adjetivo que eu conseguia dar a ela, com aquela pele parda num tom que eu não conseguiria definir de tão perfeito que era. De início, não estava apaixonado pela Iara, mas sim pelo o que ela representava: o pecado, a luxúria e tudo o que era de mais saboroso na humanidade. Mas depois que há conheci naquele maldito lual, naquela maldita noite, me apaixonei pelo que Iara era, me apaixonei pelo seu canto, sua risada, sua forma de pensar e agir e tudo o que ela poderia me dar. Por séculos, foi muito fácil. Com os homens era até mais fácil. De início apenas festejava sozinho, sempre gostei muito de bebidas então beber, cantar e dançar são coisas que adoro fazer, quando algum homem se interessa, eu o Encantava, o beijava e por fim, o convidava até um mergulho nas aguas calmas de algum rio, quando aceitava, era nítido o seu fim, talvez até eles já sabiam e aceitavam de bom gosto. Nunca mais eram vistos.


Com as mulheres, era a mesma coisa, mudando o fato que precisava engravida-las e manda-las novamente a superfície, pra que tivessem sua gestação completa. Assim, quando a criança nascesse eu saberia e iria de encontro com a mulher que perdidamente apaixonada por mim mesmo após alguns meses, me dava a criança sem perceber e eu a levava ao fundo do mar. Algumas vezes as mulheres também iam na esperança de me ter ao seu lado para sempre, mas no fim, acabavam virando outros seres místicos como eu, como sereias por exemplo.

Talvez essa seja uma "breve" introdução de tudo, mas a história é muito mais a fundo. Gostaria de entende-la comigo? Vamos lá então .

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⏰ Última atualização: Feb 16, 2021 ⏰

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