Prólogo

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Peguei meu celular na cômoda de cabeceira e conferi as horas. Tão acostumada a acordar cedo, que mesmo sem emprego, continuava naquela rotina.

Outro motivo me obrigava a manter aquele horário, eu não tinha contado para a minha avó sobre aquele pequeno detalhe da minha vida profissional.

Eu devia muito a ela. Desde muito pequena, quando meus pais faleceram, Norma Kohlhase me assumiu como sua responsabilidade e não me deixou faltar nada. Há um tempo que tinha descoberto que lhe custou caro, o problema nas costas e nos pulmões foram causados por conta dos dois trabalhos que ela tinha para nos sustentar.

Atualmente, aposentada, minha Oma convivia com seus problemas de saúde estando à frente de uma ONG de reciclagem. Boa parte das despesas daquele lugar, eu quem bancava e não lhe contava que ia metade do meu salário para que ela fosse feliz.

Meu amor por aquela mulher me fazia cometer excessos. Ela retribuía me dando carinho, cuidando da casa e proporcionando momentos divertidos com suas amigas do clube de leitura.

Foi com elas que aprendi a ler e respeitar os mais velhos. Por conviver com as senhoras e não ter escolhido uma profissão para me graduar, eu tinha uma alma velha em um corpo jovem.

Trabalhei em quatro lojas de móveis e decoração. Empenhada em crescer naquele ramo, talvez cursar uma faculdade de arquitetura, estudava sobre o assunto, além da parte específica do meu serviço.

Não sabia o real motivo, mas toda vez que começava a me destacar, era mandada embora. Achava que faltava mais empenho da minha parte e estava me especializando, por conta própria, sobre móveis sustentáveis.

Uni o meu mundo com o da minha avó, eu sentia que estava no caminho certo, por mais que não alcançasse o êxito.

Sempre positiva, apesar de um buraco existir no meu peito, pulei da cama, troquei de roupa e fui para a sala, abrir a janela e esperar a minha vizinha aparecer.

Nossa amizade surgiu despretensiosa, quando percebemos que poderíamos conversar cada uma de seu apartamento. Ela era a minha única amiga, já que não conseguia me conectar com ninguém nos empregos, pois eu era demitida precocemente.

Karina apareceu um tanto acanhada, o sorriso não alcançava os seus olhos. Com a mãe tendo problemas de saúde mais grave do que minha avó, ela precisava tanto de dinheiro quanto eu.

— Olá, Hannah.

— Bom dia, Karina. Como estão as coisas por aí?

— Na mesma. — Deu de ombros e olhou para baixo. — Conseguiu um emprego?

— Nada ainda — falei baixo, mesmo sabendo que da cozinha, minha avó não escutaria. — Vou para o centro visitar mais lojas.

— Não sei como está dando conta ficar sem dinheiro. Mesmo com uma renda, estou entrando em desespero.

— A esperança ainda não morreu. Hoje será um dia melhor.

— Assim espero, porque estou ficando sem opções e as despesas médicas da minha mãe cada vez mais altas. Se, pelo menos, meu irmão ajudasse...

— Estou sobrevivendo com as últimas economias que eu tinha. Preciso pensar em outra forma de fazer dinheiro, já que ser vendedora não está funcionando. Tem duas contas da ONG atrasadas. — Passei as mãos no rosto, porque aquela informação logo cairia nas mãos da minha avó.

— Não tem nenhuma joia que você possa penhorar?

— A única coisa preciosa que tenho é minha virgindade — falei brincando, apesar de não ter nenhuma graça. Karina demonstrou vergonha e eu tive um insight. Dora, uma senhora amiga da minha Oma, comentou que tinha encontrado um site onde homens e mulheres podiam vender uma noite de sexo. Ela mostrou e brincou que, se fosse mais nova, se arriscaria por conta da adrenalina de estar com um homem rico e desconhecido. Mesmo que visto de relance, eu tinha decorado o endereço para acessá-lo. — Oh, droga.

— O que foi?

— Lembrei de algo que pode ser útil para resolver nosso problema financeiro, mas é insano.

— Você sabe como posso conseguir dinheiro?

— Até que ponto está disposta a resolver o que te preocupa?

Voltei meu olhar para o dela. Não precisava responder, porque o seu desespero era muito parecido com o meu. Amava minha avó e ultrapassaria limites para a ter feliz com sua ONG, além de lhe dar um tratamento adequado para as dores.

— Não aparece na pesquisa da internet, é um site secreto onde homens e mulheres pagam para ter uma noite. — Ela abriu a boca em choque, também estava surpresa por cogitar aquilo. — Todos os valores expostos lá são altos, principalmente se é virgem. — Soltei um riso baixo, para evitar que ela me julgasse. — Uma loucura, eu sei.

— Sim, claro. — Percebi que sua risada também era para disfarçar seus pensamentos. — Quem faz isso, precisa estar muito desesperada.

— Ainda não chegamos nesse ponto, né? — Respirei fundo, com o coração acelerado. — Mas se quiser acessar o site, para dar uma espiada, ele é o www.s1t3secreto.com.

— Acho melhor nem chegar perto. — Fez um movimento com a mão para dispensar. — Preciso terminar de me aprontar para ir trabalhar.

— Tenha um bom dia, Karina.

— Boa sorte, Hannah.

O cheiro de café e torradas me fez sorrir e esquecer meus problemas, melhor dizendo, tentações. Apesar de não ter um trabalho, eu estava indo para a rua buscar uma oportunidade. Não precisaria recorrer a algo tão drástico.

Encontrei minha vozinha colocando o pote de geleia na mesa e se sentando na cadeira.

— Bom dia, Häschen. — Ela sempre me chamou daquela forma. Se tratava de um termo carinhoso que significava pequena lebre. Ela me dizia que sua lembrança mais viva quando eu era bebê, tinha a ver com uma roupinha felpuda com orelhinhas. Assim, o apelido ficou.

— Oi, Oma. Dormiu bem? — Beijei seu rosto e me sentei à sua frente. Ela tinha comentado sobre dores nas costas, algo que me fazia sentir culpada.

— Sim, não se preocupe. — Ela me serviu o café. — Tem que pensar na sua vida e deixar que essa velha senhora lide com os problemas dela sozinha.

— Claro. Foi só uma pergunta — murmurei concordando, mas no fundo, fazia o oposto do que ela me incentivava. — Quando vai ser a próxima reunião do clube?

— No sábado, lá na ONG Transformation. Iremos assistir à adaptação do livro "Eternamente Minha", daquela autora estrangeira. Como ela se chama mesmo?

— Jéssica Macedo — falei enrolada, pois tinha acabado de pôr uma torrada com geleia na boca. — Estava querendo ver mesmo. Foi lançado semana passada na Liebeflix.

— Por que não assistiu ainda?

— Ocupada, trabalhando. — Tomei um gole de café e desviei o olhar. Oma me conhecia o suficiente para saber que tinha algo de errado, caso a encarasse por tempo demais.

— Minha filha deu mais trabalho do que você. Nem uma noite fora de casa, sem festas ou amigos problemáticos. A vizinha é muito comportada.

— Algumas pessoas agradeceriam se seus filhos fossem tão certinhos. — Fiz bico, incomodada com sua visão sobre mim. Eu era impulsiva, mas estava focada demais em pagar contas.


Oma = vozinha em alemão

Site fictício, ele só existe no livro.

Comprada por Raphael - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora