Prefácio

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"Nós negros temos sido profundamente feridos, como a gente diz, 'feridos até o coração', e essa ferida emocional que carregamos afeta nossa capacidade de sentir e consequentemente, de amar. Somos um povo ferido. Feridos naquele lugar que poderia conhecer o amor, que estaria amando."
Bell Hooks.

Quando Lelê me convidou a escrever o prefácio deste livro não pude deixar de me sentir lisonjeada. Primeiro porque não apenas gosto da escrita dela, mas porque acredito naquilo que ela escreve. Assim que li a primeira parte do livro consegui me ver capturada pela narrativa forte, dolorosa e verdadeira ali impressa. Através das palavras que verteram dos seus dedos, fica claro que Lelê sabia quais emoções as suas poesias despertariam em seus leitores. E ela faz isso com maestria. Afro Afetos é um convite à catarse emocional. Ao grito preso na garganta. Ao som da música nova da libertação e ao abraço sincero a quem somos de verdade. Porque foi quando a dor se tornou insuportável a ponto de não caber mais em seu peito, que se fez necessária à escrita. Ela conseguiu fazer isso com extrema vulnerabilidade. Com angústia. Com o desespero. Com a força proveniente dos nossos antepassados. Com a garra das mulheres que nos antecederam. Com a sensibilidade de suas muitas emoções que por muitas vezes tiveram que ser silenciadas. Enquanto lia Afro Afetos, me lembrei da escrita potente e viva da Bell Hooks em Vivendo de Amor e do quanto se faz necessário ler uma mulher negra falando sobre dor, emoções reprimidas e a impossibilidade de amar. Por que aprendemos que somos feitas de revolta, de raiva. Aprendemos que não há lugar na mesa do amor para nós. E, infelizmente, é nesse lugar distante e frio que permanecemos durante muito tempo. Quando lemos Bell Hooks, entendemos o porquê de não nos permitirmos. Por que o sistema escravocrata e as divisões raciais nos retirou esse direito de sangrar por amor, de viver as dores e as delícias desse sentimento. Retirou de nós nossa habilidade de ser amada e querer amar e, ainda assim, alterar o sistema de dominação racial e capitalista. Por que uma coisa não invalida a outra. E por que eu falo disso? Por que temos a tendência a olhar para as nossas vivências e desmerecê-las. Assuntos como vulnerabilidade, afeto, e outras emoções socialmente aceitas ou algumas ditas como disfuncionais como a raiva e o ódio, se tornam distantes e nos sentimos desencorajadas a lidar com elas. Não nos ensinaram e muito menos nos permitiram vivê-las. A grande questão é que, é importante pensar em todas as emoções como inerentes e funcionais ao ser humano. Então, é a partir desse lugar de raiva que parte da revolta, e do amor que muitas vezes parte do preterimento, que ela escreve essas poesias. Afro Afetos é muito mais que o desabafo de alguém que se expressa através da arte. É a descoberta do amor próprio, da busca do eu, do entendimento que se pode chorar, viver e ser querida. Para compreender que, é necessário não mais viver sob o jugo pesado das emoções reprimidas. Da liberdade de poder ensinar as crianças que vem após nós, que elas podem lutar, mas que também devem chorar. E desconheço outra forma melhor de manifesto que não as palavras que sangram. Por que é no grito silencioso do punho que escreve que se transborda aquilo que se sente. É por essa via que se chega no outro de maneira mais rápida. Foi assim que ela conseguiu me acessar e me fazer enxergar a urgência de ser eu que existia em meu peito. Que ao fim desse livro você se sinta tão forte quanto eu me senti. Que você inicie sua jornada em busca de se inteirar, em busca de não mais se reprimir, mas sim, transbordar.

Com carinho, Vanessa Pérola — autora de "Quatro Minutos".

Afro Afetos | DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora