Cinema de Campes

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Na tarde de sexta-feira sobre a qual o sol de fevereiro estava indo embora num crepuscular anoitecer, as pessoas de Villa Campes estavam entusiasmadas, ansiosas e não viam o momento de que à noite tomasse conta de toda a cidade. Razão esta de tamanha ansiedade, ser de que seria a exibição do filme do Freddy Krueger “A Hora do Pesadelo”, para celebrar a reabertura do cinema e, também, por ser sexta-feira 13.

O cinema Imperator, havia ficado fechado nos últimos oito meses para uma reforma interna, aquisição de novos equipamentos, melhorias nas instalações internas e etc. Imperator era um dos melhores cinemas que ali havia, já que seu valor de entrada era ótimo, acessível até aos mais pobres. Diferente de outros cinemas de elite que nem todos tinham condições de pagar.

O tapete vermelho em todo o saguão de entrada, que se estendia até próximo à sala onde eram reproduzidos os filmes, chamava a atenção pela sua tonalidade escura como sangue. Mas era lindo de se ver e macio de caminhar – seria muito bom lá poder caminhar descalço sentindo entre os dedos os suaves tons de vermelho.

Moradores de suas sacadas conversavam, riam, mas era nítido o quanto queriam a estreia do cinema. Ter um espaço para lazer como aquele e com o preço que se pagava para se divertir e ainda comprar pipoca era fabuloso.

Quando fora liberada a entrada do público decerto os velhos lugares haviam sido completamente trocados, novas poltronas que acomodavam e ao mesmo tempo era relaxante para estar ali sentado. Os apoios de braço eram estofados, os assentos e apoios eram todos revestidos em couro.

Havia homens, mulheres, adolescentes, crianças e até alguns avôs e avós na fila para a compra do ingresso. As crianças eram poucas – quatro na verdade, e talvez só conseguissem ver as primeiras cenas do filme, eram novinhas demais para aguentar até o final.

Às sete e meia da noite era o horário que seria liberado a entrada, o filme começaria apenas as oito e vinte, mas se não se apressasse perderia bons lugares – os melhores lugares são sempre no fundo, e dificilmente conseguirá lugar chegando tarde.

 Braços, pernas, cabelo no rosto, aquele empurra-empurra, na hora de entrar, as pessoas se esbarravam e iam atropelando umas às outras – lembrando bem à tourada – uma disputa pra ver quem conseguiria pegar um lugar nos últimos bancos.

O som das pipocas disputava espaço com o murmurinho das pessoas que dialogavam sobre a aparência do cinema, sobre como foi o dia no serviço, a mulher que contava para a vizinha as ‘novidades’ que sabia – ou melhor, as fofocas que tinha de espalhar por não conseguir manter a porra da boca fechada.

Depois da longa espera eis o momento tão aguardado, a escuridão tomava conta da sala – a sessão começara – com pouco menos de cem pessoas na sala, a tela branca ganhava as cores do filme.

Do lado de fora da sala os seguranças sorriam, conversavam e se divertiam entretidos em outros assuntos além do filme e de suas vidas no trabalho, falavam do futebol no domingo com churrasco, “aquela picanha mal passada, aquelas linguicinhas apimentadas hmmmm... que delicia” dizia um deles com a expressão de estar pensando no cheiro que tem a picanha enquanto a chama aquele o pedaço de carne.  

Pela parte detrás do prédio havia uma pequena passagem onde você tinha acesso a outras alas de funcionamento do cinema, como a sala onde ficava o projetor. A sala do projetor não era muito grande – media na verdade – dos corredores do cinema podiam-se ouvir os gritos dos telespectadores.

Com a barba grande e, também, os cabelos que em vezes corriam pela face. Além de cortar o pescoço de Arold – o zelador do cinema – queria mais sangue, mais da adrenalina que corria por todo o corpo. As portas das pequenas de emergência podiam facilmente ser fechadas com qualquer coisa, foi então que um machado foi usado para prender as portas.

Quando um segurança passou, apenas pode ser vista sua mão ser levada até o pescoço após as laminas do machado terem lhe cortado sua pele e suas veias. Deixando uma grande mancha de sangue espirrado na parede fora caindo aos pouco até estar completamente no chão.

De volta à entrada principal, a face de um dos seguranças fora arrancada com o mesmo machado que cortara o pescoço do zelador. Dentro da sala ninguém podia ouvir nada, a acústica de primeira fora justamente para isso. Outro segurança teve na primeira machadada o olho estourado como um ovo ao cair no chão, em seguida fora seu pescoço cortado, bem como o da mocinha que vendia os ingressos.

Com as saídas de emergência bloqueadas seria possível sair apenas pela entrada principal. Entrada essa que estava bloqueada. Os gritos de susto durante a sessão eram intermináveis, principalmente aos olhos daqueles que nunca tinham visto Krueger.

Em poucos minutos os gritos de susto começaram a se transformar em gritos de pânico quando às chamas começaram a invadir o telão, caindo fogo por todo o tapete que havia entre as poltronas. Os celulares lá dentro nunca funcionaram muito bem mesmo antes da reforma.

As labaredas consumiam o cinema numa velocidade impressionante, aos poucos os vidros foram estilhaçados com o calor e as fortes chamas, a fumaça preta dominava a área. O machado fora deixado na antiga sala do zelador depois da morte dos seguranças e a mocinha dos ingressos.

O fogo estava tão alto que os bombeiros no momento em que chegaram mal conseguiam aproximar-se da entrada na parte que era bilheteria. Levaram longas quatro horas pra que as labaredas se transformassem em apenas pouca fumaça.

Escrevera Eriko numa triste carta, anos após ter retornado ao local do incêndio ouvira gritos estridentes de socorro. Os moradores de Ville, assustados com os gritos e com o que houve, se mudaram para longe.

Eriko na sua última visita à cidade foi até onde era a sala do zelador para verificar se seu machado ainda estava lá, mas ao entrar no que um dia fora um cinema familiar espantou-se com os gritos que ouvira lá dentro. Ficou atormentado com o que vira.

Quando decidiu incendiar o cinema não parou pra pensar, apenas quis fazer algo grande que fosse memorável. Nunca imaginou que as pessoas continuariam ali mesmo após a morte. Durante a noite e em algumas vezes durante o dia é possível ouvir gritos de socorro. Eriko foi viver numa cidadezinha longe de Villa Campes, mas não aguentou ficar muito tempo por lá e nem conseguia frequentar cinemas.

Numa manhã de sexta-feira quando o sol estava se pondo um corpo fora visto pendurado com uma corda presa no pescoço e sem camisa com cortes feitos à faca no peito escrito EU QUEIMEI TODOS, DESCULPA. Após os eventos a cidade nunca mais foi a mesma, as pessoas sentiam medo de frequentar o local e ser espantados por espíritos.

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