Prefácio

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Era a primeira vez que dormia fora de casa. Brigamos, brigávamos feio. Nem se deu ao trabalho de jogar minhas coisas na rua, fazer escândalo, aquele carnaval todo. Só se foi. Deslizou para fora, assim quieta, passiva. Eu fiquei. Eu e nossos dois filhos, o Guto e o Lipe, que só vão dar falta da mãe amanhã de manhã, no café.

Estou sentado na frente do computador dela. Era nosso, mas ela é quem mais usa. Rolo infinitamente a scrollbar de um blog de humor. Desses bem fuleiros mesmo, cópia da cópia do 9gag. Tento me acalmar, quem sabe, até rir. Nos planos estava um sexo seguro, confortável e um sono bom, só isso. Ela estar longe esta noite não estava nos planos. Eu fico louco só de imaginar o que está fazendo. Saiu com o meu carro, cantou pneu na rua, os cachorros do vizinho latiram. Ela não é de perder a cabeça, ela é quieta, ela é mãe, ela aguenta tudo.

Sinal que para ela abandonar o barco deste jeito, eu caguei feio no pau.

Casar com a Fernanda foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Sendo bem clichê mesmo, porque foi. Ela é meu projeto mais bonito, a peça mais interessante, o motivo de eu fazer tudo o que faço. Soando bem clichê mesmo, porque foi.

Casei-me com a mulher mais ambiciosa, mais inteligente, mais emocionante. Fernanda não era doce, não era passiva, não era mansa. Não planejava filhos, não senhor, não ela. Tinha raiva das amigas que abandonaram tudo, todos seus sonhos por uma casa, um filho e uma promessa de amor. Sempre ficou muito puta quando eu tocava no assunto de juntar os trapos – não "casamento", veja só, só acordar e dormir junto.

Fernanda era agressiva, era sexy, arredia, teimosa – e eu adorava tudo isso. Nunca quis controlá-la, eu gostava dela do jeito que ela era. Podia gritar menos comigo às vezes, mas mesmo quando gritava muito, estava tudo bem.

Por que ela era a minha Fernanda. A minha mulher. E poderia fazer o que quisesse, comigo.

Um dia, quando a gente tinha vinte e cinco anos, lá em 2003, depois de transar na cama dela, ela me pediu em casamento. Ela sabia que eu queria, só esperava ela escolher casar ou não. Por mim, já naquela época, a gente já era casado.

Só me deu uma condição: que fôssemos casados com gosto de namorados, que não tivéssemos filhos e que não houvesse festa. Que casássemos num dia e acordássemos de ressaca no outro. Essa a era ideia de "casamento" para a minha Fê.

Os pais dela casaram direito, com festa e tudo o mais. O pai dela tinha duas outras famílias e aquilo a deixava puta, ainda mais quando a mãe morreu de desgosto, diminuta, sozinha, antes que nos conhecêssemos.

Então, nos casamos aos moldes dela. Nossa lua de mel foi no carro, apertadinho, os vidros embaçados ao melhor estilo Titanic e os gemidos dela abafados pelo estofado do banco de trás.

Essa era a minha Fernanda.

Quis casar-me logo na primeira semana que nos conhecemos. Ela tatuava o nome da mãe com a tatuadora que eu comia, na época. Era uma coisa pequena, a tatoo, dois dedos abaixo da teta esquerda, que é onde dizem que fica o coração. Achei bonito o ato, ela e aquela nesga de seio que escapava pela regata.

Fernanda usava vestido curto, não usava calcinha; Fernanda não usava sutiã; Fernanda era uma delícia.

Fernanda ainda é uma delícia. Uma delícia que agora se encapa com legging apertada e camisetão de propaganda de político, de supermercado, de maratonas que ela nunca correu, mas um tesão.

Quando engravidou, um acidente aos vinte e oito, sete anos atrás, eu disse que ela não era obrigada a ter o bebê. Disse, por que quando a gente ama uma pessoa, a gente faz o que ela quiser fazer. Eu a seguiria, fosse grávida, fosse não-grávida. Sabe o que ela me disse em resposta? "Eu vou ser a mãe que os coleguinhas do meu filho vão querer comer. Eu vou ser a mãe mais gostosa do jardim de infância. E vou ficar uma gata com as tetas cheias de leite". Foi isso o que Fernanda me disse.

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⏰ Última atualização: Jun 24, 2019 ⏰

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