Terminei de colocar minhas sapatilhas e olhei no espelho. Eu já estava pronta.
Sentada no chão, olhei mais uma vez para a sala branca, assim como eu fazia todos os dias. Era estranho não ter ninguém sentado no sofá conversando e dando risadas.
Há 4 meses, eu e minha família estávamos viajando para a casa de meus avós, quando um motorista de caminhão bêbado perdeu o controle da estrada e bateu no nosso carro. Minha primeira reação foi abrir a porta e pular do carro, já que eu nunca usava o cinto de segurança. Foi isso o que salvou minha vida.
O caminhão bateu no carro da minha família e no mesmo instante, ele capotou até que caiu com as rodas para baixo. Corri até lá para ver se estavam bem, mas assim que cheguei, já estavam todos mortos.
Minha mãe, meu pai, minha irmã e meu irmão.
Olhar agora para a mesma sala em que há exatos quatro meses atrás estávamos arrumando as malas e nos preparando para sair, agora estava vazia, somente com as fotos e as lembranças dolorosas de suas presenças.
-Vai dançar hoje? - perguntou minha tia fechando a porta atrás de si.
-Sim. - Respondi com a voz baixa.
Ela apenas deu um sorriso e foi para a cozinha. Nós não conversamos muito. Tenho ficado muito fechada desde a morte de minha família. Só existem três lugares para os quais vou: casa, cemitério e estúdio de dança.
Dói olhar para minha tia Marie. Ela é irmã gêmea de minha mãe, mas suas personalidades são sutilmente diferentes.
Os cabelos pretos como a noite sem estrelas, e a pele branca como a neve pura. Essas eram as características que ela havia me deixado de herança. O corpo magro e pequeno também, mas eram aí que as semelhanças acabavam.
Os olhos de tia Marie e minha mãe eram de um castanho escuro profundo, quase pretos.
Eu havia herdado os olhos azuis escuros de meu pai.
Era tão difícil olhar para tia Marie. Eu repetia a mesma frase na minha cabeça milhões de vezes, e sentia a dor o dobro ou triplo.
Os detalhes que mais amava em minha mãe eram aqueles que não existiam em tia Marie.
Respirei fundo e me levantei do chão. Fui andando até a porta e assim que a abri, a chuva caía com força e eu não poderia sair naquele frio. Eu havia acabado de me curar de uma pneumonia.
Fechei a porta e coloquei minhas chaves no chaveiro e voltei para dentro de casa.
Subi para meu quarto e liguei meu rádio, começou a tocar "A Dança do Açúcar" de Tchaikovsky.
Fui dançando e fazendo a coreografia de acordo com a música.
Tchaikovsky me lembrava de minha irmã, Alex, de uma maneira feliz. Ela adorava dançar comigo, embora fosse uma adolescente que ouvia rock o dia inteiro e fosse até mesmo um pouco mimada. Aquele era um momento em que deixávamos todas as nossas diferenças de lado e começávamos a dançar apenas. Eu sempre me lembrava das palavras dela.
Flashback
-Alex, porque só compra sapatilhas pretas? - Perguntei enquanto ajeitava-as nos seus pés.
-Eu amo preto. - Ela dizia sorrindo. - É a cor mais linda de todas!
-Não entendo essa sua obsessão com preto.
-Não entendo todo esse seu amor por Jhonatan.
- Alex... -Falei.
- Tá bem, tá bem. - Ela ergueu os braços e ficou de pé. - Mas ainda não entendo o motivo de se casar com ele.
-Eu o amo, e ele me ama também. - Respirei fundo. - Não importa se você gosta dele ou não.
-Não vou discutir com você.
-Ótima escolha minha querida. -Sorri.
Começamos a dançar e fazíamos exatamente os mesmos passos no tempo perfeitamente correto. Acabamos a dança e então sentamos no chão bebendo água.
-É curioso. - Falei.
-O que? - Alex me olhou curiosa.
-Quando estamos dançando, parece que não existem diferenças e nem problemas.
- É porque é realmente assim. Eu não penso em nada que me chateia ou me machuca. Eu só penso nas coisas boas e nas coisas que me deixam feliz. É como se o mundo pudesse cair, mas se eu estivesse dançando com você, não importaria, pois cairíamos juntas e fazendo os mesmos passos. - Nós rimos de leve. - Nunca pare de dançar, Miranda.
Fim de flashback
As palavras dela me inspiravam todos os dias. E foram a minha força para continuar dançando.
A música acabou e eu me sentei em minha cama. Nunca imaginei que minha vida estaria daquela maneira. Aos 22 anos, solitária, depressiva e sem vontade de viver.
Nunca imaginei que tudo o que Alex falava sobre Jhonatan seria realidade. Embora ele havia saído da minha vida muito antes do acidente, eu acabei evitando relacionamentos.
Achei que perde-lo seria o fim da minha vida, mas eu mal sabia que aquele era só o início de uma descida sem fim, até as ruínas de meu ser.
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Steps of Life
RomanceApós um acidente de carro que matou toda a sua família, Miranda Jhonson se tornou fria e se agarrou ao Ballet como única escapatória de sua realidade cruel. Alguns meses depois, conhece Logan Trevor, e encontra uma mínima chance de ser feliz novamen...