Capítulo Único

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Há uma grande diferença entre nascer e ser criado.


Seres humanos nascem. Eles passam nove meses no ventre de suas mães, seguros, desenvolvendo-se lentamente até o dia em que a natureza decide que eles estão prontos para sobreviver no mundo. É um processo complicado e doloroso, o do nascimento. As fêmeas sofrem do começo ao fim, apesar das drogas serem capazes de torná-lo menos agonizante.


Seres humanos crescem. Com o passar dos anos, eles aprendem a andar, a falar, a transmitirem seus pensamentos com clareza, a se comportarem no meio social. Seus corpos mudam lentamente e, ao mesmo tempo, numa rapidez impressionante, nunca permanecendo o mesmo por um longo período de tempo. Nos primeiros anos, as mudanças físicas são constantes. Após uma certa idade, elas diminuem, embora nunca cessem.


Seres humanos aprendem através de sua experiência com outros membros da mesma espécie. Suas ideias de certo e errado, moral e imoral, ético e antiético resultam diretamente do que aprendem no seio familiar, e na sociedade em que vivem. Eles são produtos de seu tempo. Pensam de forma parecida, agem de forma parecida, mas sem nunca serem idênticos. Há sempre algo que os diferencia. Dois seres humanos podem possuir todas as mesmas características físicas e de personalidade sem, ainda assim, serem iguais. Cada um é único, não podendo ser imitado ou reproduzido.


Robôs, por sua vez, são criados.


Isso significa que eles são feitos por máquinas. Não nascem, não crescem, não aprendem com o tempo. Eles são umas cópias uns dos outros, programados com os mesmos conjuntos de características, os mesmos traços de personalidade.


Robôs são um reflexo da humanidade, sem nunca realmente alcançá-la. Eles são a mera sombra de pessoas reais, brinquedos, objetos, que existem apenas para suprir as necessidades de seus donos, quaisquer que elas sejam.


Robôs não sentem. Não aprendem. Não sabem fazer distinções. Eles são o que seus programadores querem que eles sejam. Eles se tornam aquilo que foram criados para se tornarem.


Robôs existem, mas não são reais. Não como os seres humanos. Nunca como os seres humanos.


Robôs são vazios.


Você sabe disso. Esses conhecimentos estão enraizados em algum lugar no fundo do seu ser. Não, você se corrige mentalmente, repreendendo-se pela frase imprecisa. Esse conjunto de palavras só podem ser atribuídos a pessoas, e você não é uma. Esses conhecimentos foram programados em algum lugar no chip que existe em sua cabeça, e que é responsável por todos os seus pensamentos. Se é que eles são pensamentos em tudo, e não apenas frases pré-programadas a serem ditas em momentos específicos. Você não sabe ao certo. É confuso. O que você sabe é que não é igual a nenhum outro robô. Seu criador — que insiste para que você o chame de pai —, Jeremiah Danvers, trabalhava para uma empresa que fabrica androides. Ele conhece todo o processo, e era uma das mentes por trás das criações tecnológicas. Entretanto, cansado dos típicos robôs de sempre, Jeremiah queria mais. Ele queria objetos que fossem capazes de pensar por si próprios, de sentirem, de se parecerem o máximo possível como humanos. Seu sócio, Max Lord, concordava. Ele sabia que o robótico jamais substituiria carne e osso, mas parecia imaginar que havia mercado para essa demanda. Algumas pessoas — um conjunto específico delas — se interessariam pela ideia de possuírem algo para satisfazerem seus desejos. Algo que fosse capaz de corresponder. Algo que não se machucasse como os seres humanos. Algo que pudesse sentir medo, dor, e que reagisse exatamente como uma pessoa reagiria diante de determinada situação.

Humanidade (supercat&supercorp)Onde histórias criam vida. Descubra agora