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"Fantasmas em Xangai"

1997/02, Xangai.

O primeiro som que Jimin conseguiu escutar foi o de sua própria respiração acelerada.

Fora isso, dentro de uma visão turva e embaçada, o que sobrou deu-se em desespero.

Jogado em uma ruela suja, pouco iluminada e fedendo a esgoto, Taehyung chorava sobre seu corpo. Jimin podia jurar conseguir contar cada gota de sangue que despencava feito garoa do buraco de seu peito. O gosto permaneceu molhado na língua, quase doce, mas intensamente aterrorizante, porque era profundo demais para que qualquer um pudesse suportar consciente, mesmo Taehyung, e de perto, quase ao ponto de tocar, ele parecia um universo escuro e com estrelas no fundo, ou talvez fossem pedaços de ossos triturados. Talvez o coração e o pulmão estivessem por um fio de músculo, prestes a descolarem da caixa torácica.

Ainda assim, com medo do que poderia sair de lá de dentro, nada nunca seria capaz de superar a visão de Lin, sua irmã mais nova, atrás dele, coberta de líquido preto; não era sangue, mas cheirava como se fosse. Ela apontava uma arma para sua direção; seus olhos sombrios e sorriso doente foram o presságio que Jimin precisava para entender que aquilo significava morte; da maneira mais pura e etérea.

Fazia tanto frio.

No entanto, felizmente — ou não, aquele era apenas mais um de seus pesadelos, mais um sonho ruim, irreal o bastante para que se acostumasse em minutos com o peso daquelas imagens dentro da garganta, apertando-o e sufocando.

Não era bom acordar dessa forma, hiperventilando e suando como se tivesse corrido uma maratona longa e exaustiva, mas foi assim que aconteceu, sem saber como e onde, apenas respirando na mesma proporção de seus batimentos cardíacos acelerados.

Agora, passando as mãos pelo rosto, pressionando os dedos contra os olhos, Jimin sentiu os famosos fogos de artifício coloridos brilhando e refletindo em suas pálpebras. Foi desse jeito, jogado nos lençóis molhados, que ele finalmente voltou a sentir dor.

A parte apavorada de sua mente sumiu por completo, deixando para trás uma consciência pesada e dura de se engolir, de se esquecer. Todavia, apesar da náusea que o acometeu de forma bruta, o quarto passou a tomar forma rapidamente e isso foi um alívio; primeiro o teto branco e rachado, com a tinta velha descolando das bordas, e depois as paredes de tijolos comidos. Completando o pacote, por último, o sofá surrado onde tinha colocado sua arma e casaco.

Descendo o toque até a barriga, Jimin notou uma queimação quase insuportável. Seu rosto se contorceu em um protesto mudo, mas significativo, portanto, tateou a cabeceira em busca de analgésicos fortes, notando somente depois de revirar todas as gavetas que eles estavam na prateleira de cima do banheiro, atrás do espelho.

— Porra.

Era meio amargo pensar que essa tinha sido sua primeira palavra pela manhã, mas foi assim que Jimin conseguiu arranjar forças para levantar e encarar o dia.

Ao abrir as cortinas, o breu noturno foi singelo e veloz ao tomar conta de todo ambiente. Todavia, ainda que a madrugada trouxesse uma tranquilidade e calmaria atípicas dentro do furacão que era sua vida, pensar que tinha dormido por tantas horas seguidas, sem sequer notar, apenas significava que Hoseok o tinha apagado por horas a fio.

Filho da puta do caralho.

Por quantas horas dormiu exatamente? Jimin não fazia ideia.

Na verdade, Jimin não fazia ideia de quase nada, com exceção de duas coisas; a primeira delas era simples e girava em torno do quão merda era sentir o corte recém feito, ardendo tanto sua pele danificada. Já a segunda, parecia ainda pior, porque Jimin se sentia cheio de memórias e pensamentos manchados de sangue sujo. Por um momento, voltando para Hong Kong, para Lin, para seus olhos pequenos, para todos os tiros e para o sangue no chão, estendendo-se em uma poça, até quase formar um lago; tudo parecia sem valor.

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⏰ Última atualização: Sep 07, 2021 ⏰

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