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No dia em que seus pais informaram que iriam mudar para uma cidade maior, onde os hospitais dispusessem de um tratamento mais adequado e eficiente — sugestão do médico que acompanhava o seu estado de saúde — para o quadro dela, Begônia rejeitou aquela notícia, por mais que não tivesse dito nada ao casal.

Na sua antiga cidade, ela tinha seus primos, com quem ela costumava brincar nos finais de semana, e mesmo que na sua antiga escola ela não tivesse amigos, já havia se acostumado com os professores e até mesmo com os colegas. Uma mudança radical como aquela não seria nada boa, costumava pensar.

Não tão raramente, ela se sentia um estorvo por estar fazendo seus pais mudarem suas vidas por causa dela. Certa vez, ela escutou uma discussão entre os dois, seu pai lamentando que não estava conseguindo encontrar emprego na nova cidade, e por mais que sua mãe já estivesse trabalhando, ele ainda carregava consigo aquele pensamento de que, por ser homem, era ele quem deveria ser o provedor da casa, não a esposa. Mas na frente da filha, os dois faziam o possível para fingir estarem bem e felizes. E isso a fazia sentir ainda mais culpada.

Só que sua estadia na cidade estava se tornando melhor do que ela imaginava, após conhecer Thales. O seu melhor amigo fazia seus dias muito mais felizes, e ela ainda tinha alguém para protegê-la na escola, quando alguns garotos tentavam fazer algum mal a ela, além de sempre tentar — e conseguir —, arrancar um sorriso do rosto dela. E por mais que ele tivesse ficado estranho depois que ela fez amizade com um garoto que tinha acabado de se mudar para o bairro em que eles moravam, sua amigo nunca a deixava de lado, nem mesmo quando ela mais desejou a sua presença, que foi um dos dias em que ela se sentiu mal, após fazer esforço físico demais, depois de ter ido jogar tênis com algumas de suas colegas, depois da escola, sem avisar para os pais.

Thales passava em sua casa todos os dias, ele até mesmo deu uma begônia de presente para ela, além do livro Alice Através do Espelho, o mesmo que ela afirmou a ele, uma vez, ter vontade de ler, pois só tinha lido o primeiro.

— Você lembrou do que eu disse? — ela perguntou, no dia em que ele a entregou o livro, a animação ainda mais presente em seu rosto pálido.

— Eu nunca esqueço nada do que você diz. — Os olhos dela brilharam com uma alegria ainda maior, após ele dizer aquelas palavras, com um sincero sorriso no rosto.

Não demorou muito, e ela já estava recuperada, voltando a brincar com Thales, pelas ruas do bairro, mas é claro, sem fazer muito esforço, pois além dos seus pais, ainda tinha o melhor amigo para se preocupar com a saúde dela.

Na escola, Thales era uma série acima de Begônia, o que não os impedia de sempre brincarem juntos, na hora do recreio. Uma vez, para fugir dos colegas mais velhos, eles acabaram presos na minúscula sala de informática do ensino médio, o que só podia ter sido coisa de algum dos seus colegas mais velhos, ela pensou. E como o sinal havia acabado de tocar, eles não se surpreenderam por seus gritos aflitos não serem ouvidos, já que não devia ter mais ninguém ali por perto.

Após perceber que tinham alguns minutos que ela estava gritando sozinha, Begônia girou sua cabeça, tentando localizar Thales e saber o motivo de ele não estar gritando junto com ela. Mas a garota de 9 anos recém completados não estava preparada para a imagem que viria após olhá-lo. Sentado no chão, Thales suava intensamente, enquanto as batidas do seu coração podiam ser escutadas até mesmo por ela, naquele silêncio que fazia na sala.

— O que você tem, Thales? — Ela quis saber, preocupada com o amigo.

Thales não respondeu prontamente. Sua tentativa de respirar parecia falhar, como se o ar que ele inalava, não chegasse aos seus pulmões.

— O que está acontecendo? Por que você está assim? — Ela insistiu.

— Eu... e-eu não gosto... não... não me sinto bem em lugar fechado. — Sua resposta saiu com imensa dificuldade.

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