Passado

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Depois de pedir a Dallas que atirássemos com arco em outra tarde, corri para me trancar em meus aposentos. Minhas mãos tremiam ao segurar aquela carta, mesmo que eu não tivesse lido uma palavra sequer de seu conteúdo. Thomas não falava comigo há anos e, em um estalar dedos, havia voltado para ser o patriarca da família Schmidt e o Lorde conselheiro de meu irmão. Era tão suspeito que eu só podia imaginar que ele estava por trás das estratégias de Cam ao me tirar do trono. Só podia ser algo além de Desmond e de minha segurança como princesa, algo pessoal. Por mais que me sentisse livre em Illéa, dava para saber que a tensão daquele país crescia ao ler os jornais. Liberdade sem segurança não deixava de ser medo.

Pensar que meu gêmeo se renderia os impulsos de Thomas me fez querer vomitar, isso não combinava com ele. Foram quatro longos anos lidando com a Câmara dos Comuns, o peso da ausência de Desmond em suas bebedeiras havia recaído em meus ombros completamente após a morte de mamãe. Por mais que meu pai me controlasse das piores formas, a coroa era tão minha quanto de qualquer outro Black.

Por fim, quando minha cabeça quase colapsava de curiosidade e meu coração quase saltava do peito, rompi o lacre do envelope branco, os dedos trêmulos e frios sentiam com estranheza aquela textura gratinada. Havia cerca de dez folhas que pareciam documentos da Nova Inglaterra, cheios de informações que eu mal conseguia ler no estado de torpor, o que apenas me deixava mais confusa com o motivo da carta. No entanto, meus olhos ansiosos buscavam incansavelmente algo a mais no meio daquilo tudo, alguma simples mensagem ou explicação. Depois de alguns instantes, encontrei um pequeno bilhete de papel bege com a caligrafia de Thomas entre as folhas.

Minhas íris pareciam pegar fogo, eu lia cada palavra como se fosse uma sentença de morte.

"Avery,

Tomei a liberdade de buscar algumas informações sobre a situação de Illéa, as quais encaminho por meio desta carta. Para o bem de sua segurança, ande sempre acompanhada de seus guardas e fique alerta a todo momento.

Imagino que o tempo a tenha trazido ainda mais altivez e inteligência do que já possuía em seus meros catorze anos. Confio em seu potencial acima de tudo. Caso haja qualquer urgência, me acalma saber que possui meu contato.

Por favor, se cuide. E não hesite em pedir ajuda.

— T. S."

Reli algumas vezes para ver se tinha entendido os significados de cada premissa. Algumas lágrimas escorriam por minhas bochechas coradas sem ter um por quê. Mesmo depois de anos, Thomas continuava o mesmo, exceto por sua excessiva preocupação em me fazer pedir sua ajuda. Ele era distante e caloroso, o suficiente para falar muito com as poucas palavras que manejava. Eu repudiava aquilo, simplesmente repudiava.

Do que bastava ser contido e se preocupar comigo depois que minha mãe havia morrido? Do que adiantaria estar ajudando Cam sendo eu a próxima rainha? Do que seria útil me tirar de um trono que era meu por direito?

Lágrimas de fúria manchavam os documentos, eu estava em chamas. Passei os olhos superficialmente pelas folhas, jogando as no chão em um movimento desesperado. Não queria nada que viesse do homem que tinha ajudado a me destronar e me mover para o outro lado do mundo. Eu me sentia potente como a própria impulsividade, tão auspiciosa quanto uma imperatriz. Não daria a Thomas o luxo de implorar por sua ajuda.

E com esse pensamento em mente, andei furiosa até a escrivaninha, meus passos eram terremotos pelo castelo, mostrando que ninguém passava por cima de Avery Black. Procurei nas gavetas até encontrar o que desejava: o cartão amassado com o contato de Thomas. No mesmo instante, eu o rasguei em dois, jogando-o ao chão para se juntar com a sinfonia de caos que meu quarto emanava.

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