PRÓLOGO

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No instante em que Emily apontou para o envelope em cima da cômoda, percebi que nos próximos minutos teria que lidar com algo importante. Abri aquele envelope amarelado e uma lágrima escorreu sem que eu percebesse. Era de tia Bethany.

"Querida Olívia,
Sinto muito por não ter contado sobre tudo antes, ainda há muitas coisas que você terá que descobrir, é perigoso te contar.
Se está lendo essa carta, significa que as coisas estão no caminho certo e que eu consegui  manter o ciclo correto, o futuro está em suas mãos.
A  partir de agora você terá que aprender a lidar com seus sentimentos e tudo que vê ao seu redor. Emily te ajudará nessa jornada.
Queria poder ter te explicado mais, mas saiba que seu anel carrega conhecimento e poder maior do que deveria. 
Meu corpo queimou, assim como minha casa. Por favor, reúna algumas cinzas do lugar e as coloque em um colar como se fossem minhas.
Nada acontece por acidente.
Com amor,  tia Bethany.
30/08/2016 - 12:52."

Conferi o relógio de bolso que minha mãe me deu antes de morrer, era 12:52, o momento exato em que eu nasci 20 anos atrás. O que mais me assustava era silêncio da Em, ela nunca conseguiu segurar o riso num trote, então resolvi entrar no personagem também.

- Você entendeu alguma coisa que ela disse? Por que ela disse que queimou? Emily, me explica o que está acontecendo.

Esperei uma crise de risos, mas tudo que Em disse foi que sentia muito. O que ela quis dizer com aquilo? 

- Como assim "sinto muito"? Emily você não acha que ela... - pela primeira vez, percebi que ela não estava brincando. - você acha?

- Liv, tem algumas coisas que eu preciso te contar, mas preciso que você não surte.

- Surtar com o que?

- Eu vou te contar, prometo.  Antes disso, Beth deixou um último pedido na carta e acho que é o que você precisa fazer agora.

- Promete que vai contar toda a verdade?

- Não posso te contar tudo.

- Por que não? Eu já to de saco cheio de vocês sempre escondendo coisas de mim, acha que eu não vejo vocês cochichando?

- Liv, por favor, vamos.

- Ok.

Ao entrar no carro, tive a sensação de que minha vida ia mudar e algo grande aconteceria a partir daquele momento. Dirigi por 12 minutos, o que deixou Emily assustada por eu geralmente demorar ao menos 30 minutos para fazer esse caminho de forma segura.

Estacionei o carro como alguém que nunca aprendeu a dirigir e avistei a casa de tia Beth como sempre foi, fiquei aliviada ao perceber que ela ainda estava em pé. Ao destrancar a porta com a chave extra que eu tinha para emergências, enxerguei uma fumaça cinza que logo inundou meus pulmões. Tossi algumas vezes até me acostumar com aquilo. Como era possível a casa estar intacta por fora e destruída por dentro?

"Nada acontece por acidente", lembrei das ultimas palavras da carta que tia Beth deixou.

- Liv, você precisa sair daqui.

- Sair daqui pra onde? Minha única família está morta e eu nem sei se chamo a polícia ou bombeiros, se eu fico aqui olhando pro nada ou se eu vou pra casa.

- Eu ainda sou sua família e ainda estou aqui.

No meu aniversário de 4 anos (30/08/2004) tia Beth me deu um anel, essa coisa (seja o que for) fez com que eu começasse a ouvir vozes e enxergar pessoas. Nessa época eu ficava muito assustada por se tratar de uma realidade completamente nova para uma criança, mas sempre que minha mãe me via sem o anel, o colocava de volta. Foi assim que eu conheci a Emily, minha melhor amiga desde esse dia.

- É, eu sei, me desculpa.

- Tudo bem, você não quis dizer isso.

- Não, é serio. Eu não queria descontar em você.

- Ta tudo bem, Liv. Você vai querer descontar em mim depois que eu te contar algumas coisas.

- Tipo o que?

Emily me explicou que era amiga de infância da tia Beth, além de que por ser um espírito consegue escolher qual seria sua aparência de idade, então escolheu acompanhar meu crescimento para não me assustar. Também disse que cuidou de mim desde pequena, para que esses "perigos", que são o legado da minha família, não me atingissem.

- Você me odeia?

Seus olhos castanhos estavam cheios de lágrimas, eu nunca a vi sofrer tanto assim. Nunca odiaria a Em, não conseguiria mesmo se quisesse. Essa garota salvou minha vida mais vezes do que imagina.

- Eu nunca te odiaria.

- Me desculpa, eu não podia falar pra que você ficasse segura.

- Acredito em você. Em, posso te perguntar uma coisa?

- Sempre pode.

- Eu não consigo vê-la, o espírito dela parece não estar aqui. Você consegue falar com ela?

- Não Liv, sinto muito.

- Você sabe onde ela está? Ela nunca falou sobre algum lugar quando te deixou a carta? Como ela pode só sumir assim?

Eu já havia conhecido vários espíritos recém-partidos, como eu chamo as pessoas que morreram há pouco tempo, e todos eles ficam "presos" no lugar que morreram até entenderem o que aconteceu pelo menos. Como poderia tia Beth já ter se encontrado? Por que eu nunca vi minha mãe também?

- Não procure por elas Liv, nenhuma delas.

- Isso seria tão ruim assim?

- Seria pior que ruim. Eu preciso que você me prometa que não vai tirar o anel por nada, não consigo te proteger e ajudar quando você está sem ele. Você promete?

- Prometo.

- Olívia, eu não estou brincando, você não pode tirá-lo! 

- Não vou.

- Vai ter que ser mais cuidadosa a partir de agora, o ciclo precisa continuar.

- Que ciclo? Como posso continuar uma coisa que eu nem sei o que é?

- Não posso te explicar agora, é mais perigoso que o normal, você precisa sair daqui agora. Rápido!

- Pra onde eu vou?

- Qualquer lugar longe daqui.

Seu sofrimento era nítido para qualquer espírito que a visse, ela e tia Beth era realmente próximas.

- Sinto muito pela sua perda.

- Sinto muito pela sua também, vocês se conheciam a mais tempo.

- Você é tão doce quanto ela, Liv.

- Eu sou tão doce quanto você, Em.

A Mansão DoriartyOnde histórias criam vida. Descubra agora