VII

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Eta se mexia desconfortável, tentando a todo custo se encolher em um canto da mesa da lanchonete onde estavam; seus olhos passavam de Charlotte para Henry como se a qualquer segundo um dos dois fosse explodir. Puxou uma mecha de seu cabelo, enrolando os fios acobreados entre os dedos e decidindo tentar ignorar a perceptível tensão entre os outros dois.

A lanchonete estava quase vazia, somente outras duas mesas estavam ocupadas, em uma delas um casal conversava em sussurros e na outra um garoto parecia estar dormindo com a cabeça apoiada na parede. Eta levou o canudo do milk-shake à boca, sugou o líquido gelado e quase suspirou de alegria quando sentiu o gosto do chocolate, doces sempre a acalmaram.

- Schwoz disse que encontrou uma pista.

A voz de Charlotte era monótona, ela digitava apressada no celular sem levantar o olhar por um segundo que fosse para Henry. O Hart estava com com o queixo apoiado na palma da mão aberta, olhava ao redor da lanchonete como se estivesse contando os segundos para saírem dali, ele somente grunhiu em reconhecimento a fala da amiga.

Charlotte franziu o cenho, desligando a tela do celular e olhando em um misto de sentimentos para o garoto, Eta prendeu a respiração, esperando que ela finalmente dissesse algo. Os três haviam saído para lanchar e tirá-la um pouco do subsolo já que faziam dois dias que ela não respirava o ar natural, Alia ficou dormindo e Eta pensou que um passeio com seus pais iria ser maravilhoso, mas assim que entraram no elevador, a tensão entre os dois sugou qualquer animação que pudesse existir.

- Você podia pelo menos se esforçar um pouco para parecer menos miserável.

Charlotte declarou em um tom baixo e irritado, Henry a encarou meio frustrado e deu de ombros. Eta suspirou alto e dramaticamente, os dois pareceram lembrar de sua presença e viraram-se para ela com uma certa vergonha.

- Então, está gostando do seu milk-shake?

Assentiu para seu pai, os olhos colados no tampo riscado da mesa. Se eles não faziam questão de estar ali, ela também não iria fingir que não queria ir embora.

- Podemos ir?

- Mas já? Você ainda nem terminou.

Charlotte a olhou da maneira que sempre fazia Eta querer chorar. Fitou os dois com uma expressão triste, seus pais sempre diziam que eram inseparáveis quando mais novos, melhores amigos que se tornaram pessoas ainda melhores juntos, porém, naquele instante parecia que eles eram tudo menos amigos. Balançou o copo com o líquido, estava quase vazio e se terminasse logo eles poderiam ir embora.

Sentia seu coração apertar como se mãos invisíveis tentassem retirar qualquer esperança de seu corpo. Sua intuição era péssima, tendia a confiar em suas próprias ilusões e medos, por isso acreditava que o que estava bagunçando a relação de seus pais naquele tempo era a sua chegada. Alia era muito nova para atrapalhar, e quem não gostava de um bebê? Mas ela, a sua presença constante e seu comportamento estranho, estava deixando tudo mais tenso e assustador.

- Eu posso ir ao banheiro?

- Claro, querida. - Charlotte se levantou para dar passagem à ela. - Qualquer coisa me grita.

Abriu um pequeno sorriso forçado antes de sair de perto deles. Suas pernas estavam pesadas, parecia estar arrastando cem quilos apoiados em seus ombros, quando abriu a porta do banheiro e ficou de frente para o espelho, a imagem refletida a desanimou. Olheiras em um tom rosado cresciam a cada dia, sua pele estava mais pálida que o normal, a boca que lembrava vagamente um coração possuía lábios ressecados, seu rosto arredondado estava com as bochechas finas. Eta quis chorar, ela só queria ir para casa, para os braços de seus verdadeiros pais, colocar um filme estranho que nenhum deles iria assistir porque estariam falando de mais pra prestar atenção.

Piscou rapidamente para tentar conter as lágrimas, ligou a torneira e se inclinou para molhar o rosto, um pouco de água gelada talvez a ajudasse a manter a calma. Quando baixou a cabeça sentiu uma mão fria em sua nunca a prendendo naquela posição, sua respiração ficou presa e suas mãos começaram a tremer.

- Nem uma palavra.

A voz grossa a causou arrepios, o medo se instalando em cada partícula de seu ser. Tentou mover a mão, mas o aperto se intensificou e a pessoa empurrou sua cabeça um pouco mais para baixo. A torneira ainda estava ligada, em poucos segundos a água começou a descer por sua testa e inundar seu rosto. Tentou respirar em meio ao líquido, o que se provou impossível e a levou a uma espiral de desespero. Começou a se debater, mas o aperto era forte de mais e a torrente de água inundava seus sentidos.

- Escute bem, meu novo chefe quer aquela criança e ele não vai poupar esforços para conseguir colocar as mãos naquela pestinha. - ele a puxou de repente, Eta inspirou fundo em busca de ar. Ofegante, ficou de frente para o espelho e reconheceu o garoto que estava dormindo alguns mesas longe deles. - Você tem até amanhã de manhã para se entregar junto com ela, não importa a desculpa que vá dar, a traga aqui até o meio dia. - começou a negar, lágrimas grossas escorrendo por seu rosto. - Ou ela ou sua mãe, sua querida mamãezinha que finalmente pode ser libertada.

- Do que você está...

Parou a fala quando sentiu o puxão em sua nuca e uma ponta afiada em sua costela, um movimento dele e ela estaria morta.

- Ele só pediu para lhe dizer isso, que as histórias que nos contam nem sempre são verdadeiras.

Ele a empurrou contra a parede ao lado, Eta tentou se equilibrar, mas o chão molhado a fez cair com um baque surdo contra o ladrilho sujo. Quando conseguiu se colocar em pé, ele já havia sumido. Um soluço escapou por seus lábios, abraçou o próprio corpo tendo a certeza de que deveria estar tremendo. Ela não podia entregar Alia, ela nunca iria fazer isso com sua irmã, mas o que ele quis dizer em relação à sua mãe? Será que ele conseguiu capturar Charlotte? Ou pior, talvez ele não estivesse falando dela.

A porta do banheiro foi aberta de súbito, Henry e Charlotte correram até ela, a puxando para um abraço quente que a fez chorar ainda mais. Enquanto sentia a mão carinhosa de Charlotte alisar seu cabelo, fechou os olhos e apoiou a cabeça no ombro de seu pai, os dois conversavam em sussurros enquanto a esperavam se acalmar. Eta não sabia o que dizer, mas teve a certeza assustadora de que estava na hora de contar toda a verdade.

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