6 - Mariana

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Mariana estava entretida rodopiando, girava um pouco com os braços abertos, outro tanto com os braços esticados para cima, ou mesmo em uma mistura dessas posições. 

 Rotacionava como a terra, fazendo dias e noites com duração de segundos; talvez já houvesse passado até mais de ano, tantos os rodopios que ela fazia. Porém, sem translação; ela ainda desconhecia a origem das estações, suas causas e efeitos; gostava do mais imediato, e continuava girando, girando... 

Próximo, no mesmo cômodo do barraco onde morava, estava seu tio sentado em um banquinho de madeira fumando um cigarro. A luz que entrava transversalmente às frestas das tábuas que compunham a parede formava desenhos sinuosos com o passar da fumaça que subia. 

Ela o via bater as cinzas numa tampinha de lata enquanto lembrava, a seu modo, o que o padre dissera na cerimônia de enterro de sua mãe: todo mundo veio das cinzas, e todo mundo voltará a ser cinza. Para ela, seu tio virava cinzas ali mesmo naquele momento, podia ver bem; o próprio ar ao seu redor eram cinzas em suspensão. 

Pensava tudo isso em meio aos rodopios, quando foram abruptamente interrompidos por um estampido alto, seguido de outros três estouros mais baixos, provavelmente mais distantes. 

Rapidamente abaixou-se encolhida, lembrando-se do conselho da mãe, que lhe dissera com respiração ofegante e com a mão na barriga tentando estancar o sangue que teimava em vazar por cada vão de dedo: "fica quietinha abaixada, pra não acabar igual a mamãe". 

Abaixada e quietinha notou que o tio nem se mexera, talvez a fumaça o protegesse em um envoltório desconhecido, talvez ele quisesse mais era voltar logo, por completo, a ser cinzas mesmo. Continuava abaixada, pensando no pouco que lhe disseram sobre isso, sem se preocuparem se ela entenderia ou não; assim, ela chegava a suas próprias conclusões, e sabia que o padre não estava de todo certo; ele entendia das cinzas, mas não do vermelho vivo de sua mãezinha, não do líquido saturado e tão espesso que a terra seca sequer puxava. 

Ela sabia que nem todos eram feitos de cinzas, nem todos a elas retornariam; deveria haver mais pessoas como sua mãe, compostas daquele líquido vívido e espesso, vermelho como imaginava o amor, com o mesmo brilho no olhar e que, ao morrer, retornariam à luz. 

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