Uma Missão Divina

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Uma brisa intensa soprava contra o caminho, como um ato de bruxaria o afastando de cumprir sua missão divina. Mas ele não acreditava nessas heresias.

A paisagem noturnal abrigava o silêncio. Apenas ouvia-se o uivo da brisa e o balançar de árvores que enfeitavam o entorno da cabana isolada ao fundo. Padre Miguel olhou para o céu. Uma tempestade se aproxima, devo me apressar.

De frente para a porta de madeira ele bateu forte e repetidas vezes, expressando a urgência de sua missão. Ó, sim, meu Deus! Uma missão divina.

Ninguém contestou, e o religioso foi obrigado a insistir. Batidas pausadas e fortes, como o sino da igreja avisando que em breve uma oração se daria início.

— Abra, sua maldita! — bufou, mais para si do que para qualquer pessoa do outro lado. E continuou martelando a madeira com sua mão em punho cerrado.

A porta se abriu, revelando uma mulher pequena, de cabelos encaracolados e nariz proeminente. Ela lhe encarou com expressão impaciente, sem dizer uma palavra.

Ele, então, decidiu quebrar o silêncio:

— Boa noite, senhora. Que Deus ilumine sua residência. — Incomodou-se com as formalidades, e quando ela não respondeu à sua bênção, continuou: — Posso entrar?

— O que quer?

— Sou padre Miguel, da arquidiocese — disse ele, e abaixou o capuz para revelar a falta de seus cabelos, oriunda da prima tonsura. — Trago uma missão divina.

Ele sabia que ela não se importava com questões religiosas, como bruxa que era, mas era sua única esperança. Acreditou que o poder da palavra divina fosse capaz de abalar sua decisão. Ele estava certo. Ela cedeu e fez sinal para que ele entrasse.

Ela fechou a porta, e padre Miguel aproveitou para observar o ambiente. Mesmo com a baixa iluminação, ele foi capaz de notar a mesa repleta de plantas e pequenos recipientes, bem como instrumentos que desconhecia. Bruxaria!

Não acreditava em qualquer tipo de magia, fora os milagres concedidos pela crença no Pai. Qualquer coisa que realizasse a cura de doenças ou do espírito era, para ele, definida como charlatanismo. No entanto, havia algo que apenas ela era capaz de executar. Não através de heresias, mas de um ato abominado pela igreja.

— O que você quer? — ela insistiu.

— Preciso que você realize um aborto.

— O filho é seu? — A mulher sorriu e virou o rosto, com desdém.

— Ora, não seja tola! Todos sabem que os irmãos de fé não podem se relacionar com mulheres. — Ele torceu para que a omissão passasse despercebida por seus ouvidos.

— Até onde me disseram, Maria engravidou de Deus sequer tendo relações sexuais — ela falou, com ar de deboche. — Seria você Deus, padre Miguel?

— Quanta blasfêmia! — Ele fez um sinal da cruz antes de continuar: — Monica não sangra há três semanas, mas não pode dar à luz, pois é uma mulher casada, e o filho não é de seu marido. Ela me procurou pedindo ajuda em nome de Deus. — Mentiu.

— Não me interessa — a bruxa cortou, mostrando sinceridade. — São dez moedas.

Ele enrubesceu. Sabia que deveria abrir mão de alguma quantia, mas aquilo estava muito além do que imaginava. Por outro lado, que alternativa tenho? Aquela criança não poderia vir ao mundo. Seria uma afronta à Igreja e aos votos feitos por ele.

Acabou cedendo. Tomou a bolsa em sua mão e despejou as moedas para a mulher, que parecia contar cada uma delas com os olhos. O preço da missão divina.

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