A Tiara

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— Uma princesa... de Copas!

— E o que isso significa??? — apressou-se em perguntar Fernanda.

— Algo novo está nascendo em você! Algo... amoroso. Mas não pelos outros. Este amor que está surgindo, ou ressurgindo, é por você mesmo. O tal amor próprio! Aproveite este momento, porque é especial!

Dona Adelaide parecia se divertir com a previsão. Os lábios já craquelados pela velhice sustentavam um sorriso enigmático, delineado com perfeição pelo batom vermelho-rouge que ela usava.

Enquanto ouvia, Fernanda lembrou dos comentários de Tandara, que havia lhe indicado a cartomante como forma de superar aquele seu momento de tristeza.

"Ah, você vai ver!" ,dizia, com seu sotaque forte do interior de Minas Gerais. "Dona Adelaide não abre as cartas se não estiver de batom e lápis de olho. Ela diz que é para fortalecer a magia. Eu acho que é vaidade mesmo. Vai lá que vai te fazer bem. A pessoa que me indicou disse que ainda hoje ela pega todos os homens moços dos bailes da terceira idade. Vê se pode? Se as previsões não derem em nada, pelo menos é um bom exemplo de vida".

Dois dias depois daquilo, ali estava Fernanda, olhando para dona Adelaide e imaginando como seria beijar mocinhos de 30 anos. Depois de ter um único homem sua vida toda, para ela, ficar com alguém que tem a idade de seus filhos parecia até imoral. Mas, será que era?

— Olha, entenda minha filha — a voz tranquila de dona Adelaide contrastava com seus olhos brilhantes, que pareciam magnetizá-la. — As cartas estão claras. Você acaba de fechar um ciclo. Está vendo a Morte aqui? — dizia ela, enquanto apontava, com o dedo enrugado, a carta de uma caveira empunhando uma foice. As unhas compridas, pintadas de vermelho brilhante tilintavam na carta enquanto ela continuava: — Não há mais o que fazer. Você se casou, ficou quantos? 30, 35 anos com seu companheiro?

— 38 — respondeu Fernanda.

— Ok... 38 anos... uma vida, hein? Já foi. Mas, lembre-se que todo fim é um recomeço e é nisso que você tem que se apegar. Veja, aqui, a carta 7, do carro. É o movimento, que, junto com a princesa de copas significa que este seu novo momento já chegou! — Dona Adelaide parou por um segundo para sorrir e beber um gole de água em seu cálice de vidro cor de rosa. — Chegue em casa, se olhe no espelho, se arrume, se sinta bonita. Se toque, dance pelada, faça uma loucura... se redescubra. Volte daqui um mês... ou quando estiver pronta. Vou gostar de saber como foi.

O sorriso de dona Adelaide se espalhava. Parecia que seu corpo todo emanava aquele quê apimentado, de quem está se divertindo por aprontar algo. Depois de pagar a consulta, Fernanda se despediu e, mesmo sem acreditar muito, prometeu voltar.

No caminho entre o antigo bairro do Ipiranga, onde estava, e Higienópolis, região de classe média alta onde morava, dúvidas rodavam em sua cabeça.

"Será que perdi mesmo o amor próprio? Será que já tive um dia?"

Pensou em sua vida até ali. Ela e Miguel tinham se conhecido cedo, ainda na faculdade. Namoraram, terminaram, voltaram, até que ela engravidou de Sofia. Mesmo amamentando, terminou o curso de História. Em seguida, passou no concurso na prefeitura, deu aula, fez mestrado, doutorado, mudou de emprego. Nem a vinda do segundo filho, Carlos, a impediu de se tornar pesquisadora líder do departamento, no qual também trabalhava Tandara. Fernanda dava conta da carreira, do estudo, dos filhos e do casamento. Como a mãe sempre dizia: "você pode qualquer coisa, só precisa querer". E, por muito tempo, essa era a vida que ela queria.

"Eu confio em mim mesma, sei que sou boa... sei que eu sou FODA! Como é que dona Adelaide me diz que não tenho autoestima?".

Ela entrou em casa com este pensamento e, quando atravessava o corredor, viu, de relance, no espelho a careta que estava fazendo, enquanto se autodenominava "foda". Então, parou e se olhou de verdade, como não fazia há muitos anos.

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