Capítulo 1 - Meu conto de fadas

19 3 0
                                    


O azul de seus olhos era diferente de todos os outros, parecia um novo tom, uma cor convidativa e encantadora. Nos víamos de tempos em tempos nas feiras ou apresentações teatrais do palácio. Não demorou muito para que ele pedisse permissão a meu pai e começasse a me cortejar. Nos casamos em seguida e, sinceramente, era meu conto de fadas particular.

Aceitei sua vida de viajante, afinal o conheci assim. Tivemos duas filhas que logo se tornaram a razão do meu existir, uma vez que as viagens do meu esposo aumentavam cada vez mais. Eu o amava incondicionalmente e mesmo tomando conta de tudo praticamente sozinha, nunca deixava meu cansaço transparecer, afinal não queria que ele saísse de casa preocupado ou ainda que me considerasse uma esposa ruim.

Quando nossas filhas já estavam na adolescência, perdi meus pais num surto de gripe. Meu pai era um homem rígido e respeitado, mas comigo era diferente, eu era a princesinha da casa e, segundo ele, a única capaz de afrontá-lo sem que ele saísse da linha. Mesmo sendo mulher, meu pai me colocava a par de tudo e adorava me ensinar as coisas sobre nossa propriedade, plantações e animais que possuíamos – eu me sentia o máximo por isso. Minha mãe era a mulher mais engraçada que eu conhecia, conseguia corrigir sem ofender e tornava cada momento com ela algo memorável. Ela conhecia muito acerca das ervas e seus "poderes mágicos" como ela sempre dizia. Às vezes nós brincávamos de feiticeira e ela me sussurrava feitiços para dormir sem pesadelos. Sempre tinha um chá para cada tipo de dor ou uma erva que curava todos os meus ralados no joelho. Uma pena que seus "feitiços naturais" foram insuficientes para mantê-los conosco por mais um tempo...

Como filha única, além das lembranças, herdei ainda todas as propriedades e bens da família, assim acumularam-se também minhas responsabilidades durante as viagens de meu marido. Contudo, alguns dias depois, surgiu uma oportunidade de aliviar o seu trabalho e também o meu. Ele recebeu uma proposta de negócio capaz de garantir nosso conforto e a união de nossa família. Algo em mim vibrou com a possibilidade de acordar todas as manhãs fitando aqueles olhos únicos que pertenciam ao homem a quem entreguei minha vida.

Concordei em vendermos minha herança e na manhã em que meu esposo partiria para concretizar o negócio, recebi uma visita inesperada. Fiquei muito feliz ao rever minha tia – única irmã viva de minha falecida mãe – que morava num vilarejo muito distante de nós e de quem não tivera notícias desde minha infância. Ela emocionou-se muito ao me ver e desculpou-se por não ter conseguido vir quando meus pais faleceram.

O clima de alegria evaporou quando meu esposo a viu. Os dois ficaram constrangidos e visivelmente incomodados. Mas, ambos desconversaram quando perguntei se havia algo de errado. Ele saiu antes do horário combinado e nesse instante tive um pressentimento estranho, uma vontade de correr até ele e pedir para que ficasse. Mas não o fiz.

Minha tia ficou alguns dias conosco, ajudou-nos nas tarefas diárias e ainda nos ensinou suas "receitas secretas das melhores tortas do mundo" – como ela mesma gostava de chamar. Porém, sempre que eu citava meu marido ou tentava falar de algo que o envolvesse, ela corava e mudava o foco do assunto. Durante esse tempo, ela me perguntou insistentemente sobre o caderno de receitas de minha mãe que, de acordo com ela, continha receitas milagrosas de nossas ancestrais. No entanto, eu não havia encontrado esse tal caderno em lugar nenhum. Minha tia partiu com lágrimas nos olhos e aquela sensação estranha voltou a me incomodar.

Lua CrescenteOnde histórias criam vida. Descubra agora