Capítulo 3 - A jornada além do rio

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Jilly fechou os olhos com força, tremendo. Mas logo afrouxou as mãos da juba a qual se agarrava com toda força, como se seu corpo esperasse cair. A sensação de percorrer o rio daquela maneira era simplesmente maravilhosa. Ela percebeu, depois de ter coragem para abrir os olhos, que o Leão não tremia ou vacilava apesar de passar sobre as ondas. Pelo contrário, seguia com firmeza e rapidez sem vacilar pelo tapete azul. Jilly começou a observar que alguns peixes pulavam de cada lado onde seguiam, e a visão dos animais aquáticos tão próximos de si a deixou maravilhada.

A vegetação logo ficou para trás e o rio abriu-se dando lugar ao mar e um céu esplendoroso nas cores do entardecer desenhado no horizonte. Após algum tempo incontável, Jilly percebeu o barco de antes, agora à sua frente, e logo depois de alguns metros via-se uma praia.

— Estamos quase chegando, mas preciso que aguente um pouco mais — o Leão informou, e Jilly agarrou-se com mais força em seus pêlos macios.

Ao pisar na areia, ele continuou a correr, desbravando por cima do terreno arenoso até chegar a planícies. Seguiu firme pelo que seriam campos de cereal e campinas, até que construções começaram a surgir, grandes templos e pirâmides, com estátuas gigantes.

— Oh... — Jilly suspirou. — Estamos mesmo... onde eu acho que estamos?

— Sim, pois este é o centro da história que irei lhe contar.

O Leão afastou-se das construções grandiosas e foi em direção a um outro lugar, de construções mais simples e humildes, em que Jilly pôde ver homens, mulheres e até mesmo crianças trabalhando.

— Quem são eles?

— Escravos. — o Leão respondeu. — Esse é um povo que viveu mais de 400 anos preso.

—O quê? Mas por quê? — Jilly espantou-se.

— Há muitas razões que levam alguém a tornar-se escravo. Não convém citar as deste povo, mas mostrar o que aconteceu com eles. Veja, agora eles estão celebrando.

Do lugar elevado em que estava, Jilly observou as pessoas reunidas em grande número que, apesar de estarem em um estado precário de vivência e semblante abatido, pareciam ter ficado animadas e inquietas com alguma novidade.

— Por que estão alegres? — Jilly perguntou novamente.

— Porque chegou uma boa notícia. Em breve irão partir e se libertar das amarras que os prendem à servidão. Serão livres.

O Leão acenou para a multidão, fazendo Jilly observá-la com mais atenção. Do meio do povo surgiu um homem, de cajado na mão, que começou a falar com o povo. A mensagem parecia prática e solene, e ele explicava sobre um sacrifício de cordeiros que precisava ser feito e sobre tingirem as portas de suas casas com o sangue desses cordeiros, além de muitas outras coisas como a preparação de pães e ervas e como o povo deveria se alimentar e prosseguir a partir daquele dia. Tudo parecia ser dito aos ouvidos de Jilly, como se a mensagem fosse apenas para ela, e o conhecimento penetrava dentro de sua cabeça com facilidade, como se estivesse aprendendo sobre uma simples lição de casa. Mas a expressão de Jilly mudou, transparecendo tristeza em dado momento.

— Por que está triste? — questionou o Leão.

— Bem, é que... — mesmo tendo compreendido sem dificuldade, não significava que aquilo era aceito com facilidade para ela. — Por que é preciso tanta morte?

— Entendo. Deve ser difícil aceitar pela primeira vez, mas até uma criança da sua idade deveria entender. Não viu a aflição desse povo? Não percebeu tamanho sofrimento dessa gente ao chegar, que até mesmo sentiu compaixão por eles em seu coração, como se fosse sua própria dor? — Jilly acenou com a cabeça, afirmativamente. Não saberia descrever por quanto tempo ficara ali, mas no mínimo segundo que manteve os olhos naquelas pessoas, sentiu um completo desespero por sua situação; feridos, desacreditados, aprisionados... Era como se ela pudesse imaginar sua própria família ali, através de seus próprios sofrimentos. Ninguém merecia ser maltratado, todos precisavam conhecer a liberdade. — Esse povo estava perdido — o Leão continuou — à mercê da aflição e sofrimento. Se não houvesse um sacrifício, eles nunca poderiam ser livres. Porque há um preço a ser pago, e esse preço jamais poderia ser quitado se não fosse por sangue inocente.

Jilly ficou pensativa, refletindo nas palavras do Leão.

— Então, seria o sangue dos cordeiros...

— Um cordeiro puro, sem mancha ou qualquer defeito. Somente seu sangue poderia ser aceito. O que você está contemplando foi o começo de algo muito maior, transfigurado pela figura do cordeiro. O sangue que pintou as portas e janelas desse povo é o mesmo que foi oferecido para ser posto em todos os corações. Você sabia disso? O preço já foi pago. Só é preciso que o povo o aceite.

Um conto sobre a PáscoaOnde histórias criam vida. Descubra agora