Timidez

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As portas do ônibus se abriram e logo as pessoas já se espremiam para entrar. O garoto tentava ao máximo se manter por último para que não esbarrasse nas pessoas ao seu redor, provavelmente pessoas desesperadas para fugirem de seus trabalhos entediantes e chegarem logo em casa, pessoas cansadas de caminhar, suadas e loucas para conseguirem um assento naquele maldito transporte público. Já o garoto, por mais que estivesse com vontade de voltar para casa, fugir daquele local em mais um dia rotineiro e sem graça, não tinha a menor vontade de se espremer por entre aqueles corpos suados e estressados. Ele já sabia muito bem que o ônibus naquele horário estava sempre vazio e, não importante a ordem em que entrasse, sempre haveria um assento livre para ele. Nunca conseguira compreender como aquelas pessoas, tantos rostos conhecidos por pegarem o mesmo ônibus, não percebiam isso.

Todos os dias era a mesma coisa: empurrões e apertões para ver quem entrava mais rápido. Agiam como animais selvagens em uma competição tola e sem fundamento.

Talvez gostassem disso.

Talvez aquela fosse apenas uma das maneiras de descontarem o estresse de suas manhãs.

Enfim, não importava, eram apenas pensamentos em sua cabeça que funcionava a mil por hora.

Quando o último homem, um senhor obeso e desastrado, passou pela porta do ônibus, então o garoto entrou calmamente e a porta atrás dele se fechou. Suas mãos se agarraram às barras para que a arrancada do ônibus não causasse nenhum desastre. Logo passou pelo trocador, já deixara o dinheiro contado em seu bolso, e sentou-se no assento mais próximo da porta de saída sem ninguém ao seu lado.

Viagem sem graça, todos lá dentro balançavam lentamente de acordo com os movimentos do ônibus, parecia até mesmo algo ensaiado. Uma visão geral e periférica de todos se movendo ao balanço do ônibus seria cômico se aqueles corpos não parecessem algo sem vida, sem alma, movidos apenas pelo cansaço e tédio do dia-a-dia.

Nem percebera, mas o seu próprio corpo também se movia naquele balanço sem vida e melancólico.

Era deprimente.

Assim que o ônibus parou, fora despertado do transe de seus pensamentos. Aquele era o ponto em que diversas pessoas provavelmente impregnariam o ônibus com o cheiro de suor e angústia. Parecia que aqueles que andavam naquele ônibus eram infelizes, e aquela desolação se espalhava e contaminava todos ali dentro, como um vírus mortal e implacável. Mas dessa vez algo estava diferente. Seu olhar fora atraído para a pessoa que passava pelo trocador naquele exato momento, seus olhos passaram lentamente, de baixo para cima, pela garota que guardava as pequenas moedas em sua bolsa, achou que teria demorado vários minutos para capturar cada detalhe dela, porém seu olhar não durou mais que cinco segundos na realidade.

Pequenas sandálias enfeitadas com desenhos de flores em alto relevo, calças jeans que se encaixavam perfeitamente em suas pernas e quadris, uma blusinha preta e sem manga colada em seu corpo realçando sua cintura, seios e abdômen com perfeita simetria, fuçava dentro de sua bolsa Kipling azul-marinha enquanto tentava manter um grosso livro em baixo de seu braço, cabelos escuros e lisos escorriam pelo rosto impedindo sua visão enquanto guardava seu troco na bolsa. Assim que levantou a cabeça seus cabelos se afastaram e lindos olhos azuis se cruzaram com os dele que, em frações de segundo, desviou-os pela janela.

Mas ele sabia: ela percebera seu olhar.

Tentou observar seus movimentos com o canto dos olhos. A moça foi se movendo suavemente, procurando um assento até que parou próxima à porta de saída, inclinou-se e sentou ao seu lado. Assim que sentara, seu perfume atravessou a distancia entre os dois e penetrou em seu nariz, o cheiro delicioso de alguma fruta desconhecida misturada a outras essências fez com que movimentasse os olhos para capturar um pouco mais de sua beleza. A garota parecia estar distraída olhando para seu livro, que agora se encontrava em seu colo ao lado de sua bolsa. Sua pele era levemente bronzeada e seus lábios possuíam o formato de um sorriso natural mesmo enquanto estava séria, que dava ao seu rosto um ar simpático e a deixava ainda mais linda.

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