03/04/2021

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03 de Abril de 2021 – Interior de São Paulo, Brasil.

Você sempre fora assim, carregado de inocência transbordante, calcado na euforia presente em seus olhos luminosos, e nas covinhas sutis em suas bochechas, motivo pelo qual me deixei ceder e, bem, esse fora a razão pela qual ruímos: meu medo de te quebrar, de transgredir a imagem tão jovial e fresca que sempre carregou consigo.

Chang, talvez não tenha notado, quem sabe apenas tenha preferido guardar a constatação pra si, mas, eu estava apavorada, morrendo por dentro, sendo jogada repetidas vezes contra as paredes que abrigavam seguramente todos os sentimentos cujos quais fugi nesses sete anos. Pensei que já havia permitido que todas as minhas feridas se fechassem, que criassem cascas e cicatrizassem, sobrando apenas um bocado de pele morta e insensível.

Porém, quando o vi parado atrás de João naquela tarde, com as mãos nos bolsos, me encarando como se jamais tivéssemos nos distanciado, ainda com aquele olhar de obliquidade, de quem admira em silêncio, com medo de macular a perfeição do momento; naqueles minutos, Changkyun, foi como se todas as suturas que fizera, emendando-a porção de vezes ao longo desse tempo, não tivessem qualquer força contra a pressão que minha pele exercia no sentido contrário, insistindo em se abrir e expor todos aqueles sentimentos da garota apaixonada e boba.

Não é necessário dizer que não sou mais aquela garota, acredito que – se seu olhar curioso e surpreso ao ver as crianças entrarem na sala, poderiam dizer algo –, você compreendeu que o tempo passou, e com ele, todos os pensamentos e sonhos de juventude.

De igual maneira, perceber que apesar das covinhas, do cabelo caindo sobre os olhos e do narizinho infantil e arrebitado, você não é mais o garoto por quem me apaixonei à base demonstrações de afeto disfarçados de provocações, fora algo doloroso.

Eu estive tentando manter os nervos sob controle, enquanto João tagarelava sobre como mamãe e vocês haviam planejado aquela surpresa, justamente no dia do meu aniversário porque "nada é grande e bom o suficiente, que não possa ser maior e ainda melhor". E você sempre soube que eu odeio surpresas, odeio não ter controle sobre minha própria vida e, sobretudo, ter meu passado esfregado contra meu rosto, me obrigando a lidar com as consequências das minhas escolhas, potencializava esse sentimento.

Não pense que não notei, acho que ainda me conhece bem o bastante pra saber que aquela troca de olhares inflamados com Jin, meu marido, carregava um ressentimento enorme causado por uma série de fatores provocados por mim mesma e, quero me aproveitar desse espaço para, mais uma vez e provavelmente seja outra tentativa inútil, pedir desculpas por cravar aquelas duras palavras em seu peito, tão fundas que ainda posso vê-las através de seus olhos.

Se servir de consolo, ouvir outra vez meu nome escorregar por sua garganta, parando a língua no céu da boca ao pronunciar o "t", exatamente como costumava fazer quando estava sonolento, deitado junto a mim naquele colchonete emprestado, doeu pra caralho!

ÁgaTa. Gatá. Noona.

Sete anos de silêncio, e eu já estava quase me esquecendo de como essas três formas carinhosas de se referir a mim, podiam me fazer ir ao céu e ao inferno quantas vezes fossem necessárias, sem que sequer questionasse ou me opusesse.

Chang, ainda se lembra de quando fui te assistir jogar na final do campeonato regional?

Todos diziam que o "garoto de olho puxado" até que jogava bem para um japonês. Eu tinha vontade de corrigir cada um daqueles imbecis, todas as vezes que diziam algo do tipo, ou quando desdenhavam do seu talento, dizendo que era algo momentâneo e que nunca chegaria a alcançar algo concreto de fato, porque o lugar de um asiático era concertando celulares, ou vendendo pastel.

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