— Olhe para o céu.
— O que tem no céu?
— Não faça perguntas, apenas olhe.
Eu olhei para o céu assim como meu pai me pediu, mas não havia nada de diferente nele. Meu pai e minha mãe sempre olhavam para o céu nos últimos minutos da Pascum, nunca entendi o motivo, mas sempre contemplei o céu noturno junto com eles naquelas noites. A Pascum é uma data comemorativa celebrada sempre uma vez no ano, especificamente no mês de abril, nunca entendi o verdadeiro motivo para essa data comemorativa, mas meus pais diziam que um grande ser ressuscitaria nesse dia e destruiria os males que corroem os homens. Esse grande ser a quem eles tanto esperavam nunca veio, nem mesmo quando eles estavam à beira da morte, nem mesmo quando toda esperança se esvaiu de seus corpos e suas essências se espalharam como poeira ao vento.
Apesar de tudo ali estava eu, lutando uma guerra que não era minha e protegendo aqueles no qual nem conhecia, mesmo assim eu continuava avançando, avançando até minha morte iminente alguma hora, que seria ou pelo fio da espada do meu inimigo ou pela minha tola natureza mortal que mentia para si mesma com devaneios de imortalidade. Eu estava cansado, pois quanto mais corria por aquela maldita floresta, mais a desesperança assolava minha mente que enviava desestímulos as minhas pernas fazendo-as fraquejar. Trinta e nove foi o número de homens que matei naquela noite de Pascum, homens que eu nunca vi antes em minha vida, mas isso não impediu minha espada de os degolar. Meus pais diziam que é proibido matar na Pascum, mas a guerra não ligava para tolas datas comemorativas, pois se um homem deveria morrer, ele morreria não importando o dia.
Finalmente saí daquela densa floresta e me deparei com o campo de batalha à minha frente. Glória? Honra? Riquezas? Poder? A guerra é bem menos atrativa do que as pessoas pensam, ali não havia uma chance de vencer na vida ao derrotar o inimigo, mas sim, apenas o desespero e agonia com corpos sangrando e homens gemendo e chorando de dor. Chegando no meu esquadrão me deparei com as faces cansadas dos meus homens, homens que deixaram suas famílias e marcharam para uma guerra em troca de míseras moedas, chega a ser ridículo de se pensar, mas a vida daqueles homens não valia a armadura que trajavam ou a espada que portavam, e eles sabiam muito bem disso, por isso nenhum em sã consciência gostaria de estar naquele lugar, nem mesmo eu, mas mesmo assim estive, mesmo assim estivemos.
— Senhor, o inimigo está se preparando para avançar, o que devemos fazer? — disse um jovem soldado logo após eu entrar no acampamento de guerra.
Olhei para o horizonte negro e sem estrelas e vi a massa de soldados que se preparavam para nos atacar, isso me fez parar para refletir. Esses homens realmente queriam me matar ou a meus homens? Realmente queriam dar sua vida por uma tola causa mesquinha paga pelo ouro dos que nunca viram o verdadeiro terror da guerra? Ou apenas queriam o pouco de moedas que lhes prometeram ao ganhar aquela guerra? moedas aquelas que seriam usadas para comprar o pão de seus filhos. No fim, isso era irrelevante, pois não adiantava nada pensar em algo que apenas ocupava espaço desnecessário em minha mente.
— Isso não é óbvio, soldado? Se preparem também, vamos trucidar aqueles desgraçados — respondi com a minha boca palavras que nunca surgiriam em minha mente.
O silêncio antes da batalha é a pior parte da guerra por incrível que pareça, pois os homens de ambos os lados sabem que instantes depois provavelmente estarão mortos ou inválidos com partes do seus próprios corpos decepados. Acho que pelo menos uma vez na vida todo ser humano já parou para pensar o quanto a vida em si é algo frágil e descartável, e na guerra esse sentimento é aumentado dezenas de vezes, pois a vida naquele horrendo lugar é banalizada ao extremo, chegando ao ponto de milhares se encerrarem em um único dia de batalha.
— Avancem!
A ordem foi dada por ambos os lados que avançaram como se seus corpos estivessem esperando por esse momento a vida toda. “Inferno”, acho que essa era a palavra certa para descrever o que estava acontecendo naquele momento. No fundo, eu só queria sair daquele lugar, queria voltar para a humilde casa nas montanhas onde morava quando pequeno e encontrar meus pais lá, para que pudéssemos olhar para o céu noturno durante aquela noite de Pascum, mas as coisas nem sempre acontecem como a gente quer, na verdade nunca acontecem, pois tudo é um caos sem sentido onde o fim é a morte e o esquecimento. Acho que no fundo o que busquei de verdade não era o ouro ou a prata que vinha daquela maldita guerra, mas sim a esperança, a esperança de que dias melhores viriam, a esperança de que um herege como eu estaria errado e meus pais certos, para que assim finalmente algum ser supremo se desse ao trabalho de me salvar desse inferno que me encontrava naquele momento.
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Olhe Para o Céu
Short StoryApenas Olhe para o Céu e sinta a esperança de que dias melhores virão.