Os Últimos

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― Anda logo, Júnior!

Ele não se mexia. O pequenino era empurrado de um lado para o outro pelos fregueses que se amontoavam nas ruas do Mercadão de Madureira.

― Não me faça ir até aí, Júnior! Anda logo!

Gladys, a mãe, começava a se sentir constrangida com os olhares confusos que miravam ora a mulher, ora o filho. Carregava nas mãos um punhado de sacolas cheias de grãos, sementes, frutas secas, folhas de chás, entre outras coisas da sua dieta natural.

Ai, que saco!

Lembrou-se dos comentários da professora da escola. Ele é desatento, sempre acaba indo pro mundo da lua. Gladys não gostava do tom de voz da professora, soava como se seu filho fosse alguma espécie de retardado. Talvez ele precise de atenção especial, que não podemos oferecer nessa escola. Ótimo! Indiretamente fora recomendada uma escola para “alunos especiais”. Seu filho era especial, sim, mas não naquele sentido que a sociedade diz para amenizar o termo “deficiente mental”.

― Júnior, tá olhando o que? Vam' bora! ― disse, puxando o menino pelo braço. Júnior apontou para algo à sua frente. A mãe olhou na direção e nada viu além de um corredor vazio. Ao fundo, uma porta de aço fechada, aparentemente algum tipo de depósito.

Mas por alguma razão que não soube explicar, Gladys teve uma sensação de deja vu. Ignorou. Estava morta de cansaço e calor, as compras estavam pesadas e ainda precisava de algo para a janta. E de uma ducha fria, talvez um banho na praia – mas não gostava do mar, não mais. Lembra daquele dia, o que encontramos no fundo do mar? Tão encantador e tão triste…

― Fada! ― disse Júnior, enfim.

Gladys olhou novamente na direção do olhar do filho. Não havia nada ali.

Bem, talvez a professora estivesse um pouco certa. Talvez ele precise de um pouco mais de atenção. Gladys se repreendeu por este pensamento. Puxou o filho que a acompanhou sem muita resistência, mas ainda olhando para trás.

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O transito estava horrível e Gladys começava a se arrepender da ideia de ir à praia. O ponteiro no painel do carro começava a indicar pouca gasolina no tanque. Júnior, no banco ao lado, estava distraído, olhando os carros parados em plena avenida e os comerciantes fazendo a festa naquela situação caótica.

Água geladinha, um real! Olha o refri! Cervejinha gelada, três e cinquenta! Chocolate, bala halls, jujuba, amendoim torrado!

Gladys sentia uma estranheza no ar, como se algo ruim pairasse sobre ela, a perseguisse. Algo enterrado há muito tempo.

Quase gritou de alegria quando avistou a praia pelo para-brisa. Não estava muito cheia e ela sabia exatamente os lugares menos frequentados do litoral. Estacionou o carro e, como não havia levado roupa de banho, amarrou a barra da blusa, expondo a barriga. Sorte que saíra de casa com shorts jeans.

Olhar a natureza sempre foi um recurso que dava certo em momentos de preocupação. Desde pequena, quando apanhava do padrasto, corria para a praia, onde observava as montanhas azuis no horizonte carioca, sonhando em habitar naqueles lugares longínquos. Apreciava o sol, as nuvens, o verde, o mar…

O mar. Gostava de admirá-lo, mas desde aqueles dias de infância não entrava mais nele. Água, só do chuveiro. Sempre que interrogada pelos amigos, não sabia dizer o porquê.

Não sabia? Ou não queria saber?

Júnior corria alegre pela areia. Aparentemente já esquecera o ocorrido no Mercadão, fosse o que fosse. Gladys deitou-se na areia quente. Dormir um pouco não fará mal.

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