A primeira mulher era linda, tinha um corpo escultural, mas um mau hálito surreal. Ficaram juntos apenas algumas horas, cento e trinta e sete minutos para ser mais exato. A segunda não era nada bonita; no entanto, detentora de uma mente brilhante, inteligentíssima. Alcançaram dois dias.
A seguinte era frígida, porém de uma meiguice contagiante e, ironicamente, muito fértil. Um mês e meio. A outra, de um caráter irrefutável. E também uma loba na cama, incansável. Dominava o Kama Sutra e o sexo tântrico melhor do que as orientais. O menos era por ser tagarela. Mesmo comendo, falava pelos cotovelos. Assistir a um filme ao lado dela era árduo sacrifício. Duas semanas.
A última tinha sorte nos negócios. Festas badaladíssimas, patrimônio invejável, conta bancária abarrotada. Ah, mas suas flatulências... Suas flatulências eram de um fedor estonteante. Não havia um "pum" que passasse despercebido. E só se era possível entrar no banheiro meia hora depois de sua estada, um horror! Cinco dias.
Cansado de tanto procurar, havia apenas uma coisa a fazer, afinal de contas não queria se tornar um ermitão. Raptou a primeira e subtraiu-lhe a beleza. Da segunda, a rara inteligência. Da seguinte, a meiguice e a fertilidade. Da outra, o caráter e a libido desavergonhada. E, da última, o talento de fazer fortuna, pois ninguém é de ferro. Misturou tudo, mexendo sempre para o mesmo lado para não desandar. Depois, agitou bem, enformou, pôs no forno à temperatura média e vigiou para não passar do ponto. Em seguida, deixou quarar ao sol; era preciso processar a vitamina D, essencial a todo o processo.
Assim, estava criada a musa perfeita, capaz de lhe proporcionar mil prazeres e saciar todas as suas necessidades pelo resto da vida. Mas, só ao cabo de algumas horas, ele percebeu que havia alguma coisa errada com sua criação: apesar da beleza atordoante, ela era inexpressiva, maquinal, carecia de traços humanos. Isso o deixou frustrado novamente. Mas não vencido. Refez os cálculos. Teria sido a temperatura do forno? Não. O tempo de exposição? Também não, estava tudo correto.
"Ah!... Excesso de vitamina D!" Recolheu rapidamente amostras de sangue e pôs-se à análise. Também tudo perfeito. Depois de muito matutar, constatou que não tinha mais o que pensar. Não sabia mesmo onde havia errado. Frustrado mais uma vez, jogou a musa no forno. Para exterminá-la. Pegou também todas as partes "negativas" de todas elas, jogou em cima da musa e fechou a portinhola. Foi arrumar as trouxas: mudaria para o alto de um morro distante. O mundo ganharia um novo ermitão.
Pouco tempo depois, o aviso sonoro do forno foi acionado automaticamente, o processo chegara ao fim. Antes de abrir a portinhola, pegou um saco de lixo e a pazinha para remover os restos da incineração, não queria deixar sujeira para trás. Qual não foi sua surpresa quando viu que não havia cinzas e, sim, uma nova musa! Mas apenas ela, os defeitos haviam-se incorporado à personalidade. Meiga como só ela, abriu um largo sorriso ao vê-lo, lançou-se em seu pescoço, abraçando-o e beijando-o voluptuosamente. Foram afoitos para a cama. Transaram por um mês e meio. Que loba!
Mas, no mês seguinte, ela não queria saber de sexo, voltando à ativa apenas quarenta e sete dias depois. E quando começou a se incomodar com o mau hálito dela, lembrou das outras qualidades. Quando o uso do banheiro passou a ser uma tortura, lembrou das outras qualidades. Com o tempo aprendeu a conviver com os "menos" que ela possuía. E descobriu que a intolerância dele, talvez seu maior defeito – sim, ele também tinha defeitos –, havia diminuído consideravelmente.
Descobriu ainda que alguns problemas dela poderiam ser solucionados com a ajuda da medicina. E foram. Os outros, com o tempo, deixaram de ser relevantes. E assim foram bastante felizes. Chorou no enterro dela, muito, muito tempo depois, cinquenta anos, seis meses e vinte dias, para ser mais exato.
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A perfeita imperfeição
Короткий рассказEle buscava a perfeição, mas foi mais feliz ao lado da imperfeição. 50 anos, seis meses e vinte dias para ser mais exato.