Itterasshai, Eren.

Capítulo Único

Estava quente, muito quente. O vapor dos milhares de titãs colossais abaixo de mim era quente como o inferno. Minha cabeça latejava em um ritmo frenético, quase me fazendo delirar de dor. E por um momento pensei que estivesse mesmo, afinal vi você, ao vivo e a cores apenas um instante depois de Levi ordenar para que eu me recompusesse.

Céus, como eu queria voltar pra casa... como eu queria nunca ter saído de lá.

Não poderia ser real, mas estava convicta de que não era uma alucinação. Sentia que tinha acordado de um longo sonho e só fiquei mais confusa ao ver você, afirmando coisas que não faziam sentido com a realidade atual. Seu semblante tranquilo naquele momento não fazia sentido. Mas era você, Eren, com os cabelos mais curtos e pedaços de lenha em mãos. Senti como se tivesse nove anos outra vez.

Era você, com a voz mais passiva do que nunca, me fazendo prometer que esqueceria você.

Minha mente ainda estava na guerra, no campo de batalha, nas vidas recém perdidas e o desespero de estar ficando sem saída. Eu não devia estar ali, não deveria haver essa possibilidade, não, não, não...

Lágrimas grossas desciam pelo meu rosto sem que eu pudesse ao menos me dar conta. Estar ali com você, naquele momento, era assustador. Paralisante.

Uma sombra de tristeza passou por seus olhos caídos enquanto falava sobre como havíamos ido parar ali. O instante que seus olhos perderam ainda mais o brilho não passou despercebido por mim, me trouxe de volta à realidade aos poucos.

Não havia outro jeito, nunca houve. Eu sempre soube, não havia mais por quê negar. Para sermos livres, você teria que abandonar sua própria liberdade — e você também sempre soube disso.

Trocar uma liberdade por outra, é algo tão puro, mas tão confuso e que aconteceu de uma forma tão... sangrenta. Marley jamais esqueceria o poder de Eldia, mesmo que com apenas metade desses milhares de colossais. Me pergunto se em algum momento esse fato passou pela sua cabeça, ou se resolveu ser impulsivo outra vez. Seguir em frente pela liberdade, seja como for. Você estava destinado a isso, você foi destinado a isso mesmo antes de ter noção própria sobre o que é ser livre.

Em minha mente uma realidade berrava, enquanto aos sussurros você se confessava para mim, fazendo o mundo parar por mínimos instantes.

"Quando eu morrer, jogue esse cachecol fora... você irá viver uma longa vida e será livre, Mikasa."

Isso valeria a pena sem você ao meu lado? Não, mas você está perdido. Era seu último pedido mudo de socorro? Se sim, como eu poderia deixar de atendê-lo? Jamais consegui ignorar cada mínimo detalhe seu, por que agora seria diferente? Valia mesmo ser livre mesmo depois de perder você, aquele que me instigou a lutar por liberdade?

Eu poderia... ter sido livre com você?

Meu peito agora doía tanto quanto minha cabeça, fazendo o ar faltar dos pulmões enquanto ouvia sua voz, suplicando por um esquecimento. Eu... eu não consigo.

Mas seu rosto foi perdendo a vida bem diante dos meus olhos e eu soube que nunca foi Armin que esteve destinado a parar você. A única capaz disso sempre fui eu. Não havia para onde fugir agora, estava tão sem saída quanto você.

Com outro estalo, voltei a ouvir os sons grotescos do campo de batalha, a voz do capitão Levi tão desesperada quanto jamais imaginei ouvir. A dor de cabeça havia sumido, junto com qualquer outra incerteza. Senti um frio congelante percorrer toda a minha espinha, eriçando os cabelos da minha nuca.

"Eren está na boca. Irei matá-lo."

Afirmei, mais para mim do que para quem estivesse ouvindo. E com um suspiro, tomei impulso para fazer o que tinha que ser feito, levando comigo uma parte de si, que sabia ser quase impossível de deixar para trás.

Num piscar de olhos, como em um faz de conta, eu já estava à sua frente, encarando seus olhos caídos e vazios de expressões por uma fração de segundo. Eu não via mais em você aquele olhar de quem estava decidido de lutar, de seguir com esse maldito genocídio. Ali, naquele momento, você era apenas o Eren que não consegue lidar com as coisas sozinho, mas que é teimoso demais para pedir ajuda. Durante aquela partícula minúscula do tempo que pareceu durar séculos, você ainda era a criança de tempos atrás, descabida de esperanças, e que agora acabou se tornando escravo da própria liberdade.

Com uma confirmação muda, fazendo meu estômago afundar enquanto me olhava com seus olhos tão frios e penetrantes, naquele mísero instante, eu tive sua confirmação. E com um sorriso fraco e involuntário no rosto, relembrei da realidade que poderíamos ter vivido, que acabamos vivendo por uma fração de segundo em meio a todo aquele caos. Uma parcela de um sonho longo que ainda viverei várias vezes.

"Itterasshai, Eren."

Dado o golpe de misericórdia, sua cabeça pesava quente em minhas mãos. As pálpebras caídas, o semblante finalmente descansado. Senti soltar o ar que nem havia me dado conta de estar prendendo.

A ergui à altura do meu rosto, depositando um beijo cálido em seus lábios, sentindo todos os fragmentos de lembranças ao seu lado inundarem minha cabeça com força. Me despedindo de você enquanto suplicava para que pudesse ter havido outro jeito; mas não houve, e não havia como voltar atrás.

-

Fazia frio na colina, uma brisa leve balançava meus cabelos, agora longos após três anos. Eu podia ouvir o farfalhar das folhas na árvore, as batidas do meu coração, e nossas risadas de anos atrás enquanto corríamos por essa colina, em direção a essa mesma árvore. Tinha certeza de que aqui seria o lugar perfeito para o seu descanso.

Armin e os outros estariam voltando de uma viagem naquele mesmo momento, consigo imaginar perfeitamente o rosto de Armin enquanto desbrava o mar, agora em paz. Queria que você pudesse imaginar isso também, queria que estivesse aqui para reencontrá-los outra vez. Mas você está feliz, não está?

Era impossível não lembrar daquele dia todas as vezes que vinha te fazer companhia. Mesmo depois de anos, era impossível ter superado o luto por ter perdido aquele quem me ensinou a viver. Eu só queria poder te ver outra vez, queria poder voltar para a noite em que nos conhecemos.

Não me desfiz do cachecol, como você havia pedido para fazer. Em meus sonhos, você o enrolava em meu pescoço quantas vezes eu quisesse, como havia prometido. Em um pedido inaudível, eu quis que esse sonho se tornasse realidade, nem que fosse por uma única e última vez. E ao que parece, você me ouviu, atendendo meu pedido e surgindo em forma de asas da liberdade. Por enrolar o cachecol em mim, Eren... obrigada."

"Aqui descanse em paz para sempre, meu mais amado, meu querido. 854."