Prólogo.

184 3 1
                                    

Futuro. Uma palavra nunca me assustou tanto. Talvez porquê eu tenha crescido sem saber ao certo como ele seria. Cresci repleta de medo de como seria a minha vida alguns anos à frente. E aqui estou. Jogada em um sofá velho caindo aos pedaços, na sala de estar da minha melhor amiga de infância, com as pernas jogadas no colo da melhor amiga dela. Como eu vim parar aqui? Bem, não é uma história muito longa, na verdade.

Cresci com uma mãe problemática lutando contra o vício em traição e jogo. O meu pai foi um excelente pai até os meus sete anos, quando entrou numa profunda depressão após a primeira palhaçada da minha mãe, com o carteiro. Ele não come mais direito. Não sai mais. Apenas fica sentado na cadeira velha assistindo ao que passar na novela. Algumas vezes, é até ruim para fazê-lo tomar banho. É um verdadeiro inferno. Mas então eu decidi sair de casa, tentar a vida. Eu não aguentava mais estar em um ambiente tão ruim como aquele. A história das meninas é diferente. Todas nós somos. Acho que por isso, por nossas inevitáveis vidas trágicas, nos damos tão bem.

O barulho da porta abrindo faz com que eu e Vivianne levantemos o olhar. Jay, minha melhor amiga, entra atordoada, jogando a bolsa gasta no chão. Eu sou a primeira a perguntar.

— E então? Conseguiu alguma coisa? — pergunto apreensiva. Jay tentara conseguir um emprego de meio expediente que nos permitisse apenas comer um pouco e pagar o aluguel.

— O que você acha? — resmungou, se jogando no sofá e atirando o cachecol em um canto qualquer. Vivianne tirou minhas pernas de seu colo e sentou ao lado da prima, para tentar reconforta-la.

— Ei, não precisa ficar assim. Você sabe bem disso — disse Viih. Ela puxou Jay para um abraço.

Jay sempre fora do tipo forte e seca. Enquanto Viih sempre fora carinhosa e sonhadora. E eu... Acho que eu não saberia me descrever se fosse necessário. A relação das duas é encantadora. Mas acho que é interessante contar como viemos parar aqui, juntas.

Jay era minha vizinha. E como eu nunca cresci em uma boa vizinhança, sua situação era tão precária quanto a minha. Crescemos juntas, sempre juntas. Conheci Viih quando tínhamos cerca de onze anos. Foi a primeira vez que os pais a deixaram visitar a prima. Quando Jay completou quinze anos, a mas a expulsou de casa porque achava que ela tinha um caso com o padrasto dela. O que não era verdade. Jay jamais faria algo assim. Então, desde então, ela vive sozinha nas ruas, vivendo de favores. Há seis meses conseguiu esse apartamento, e na primeira oportunidade, vim ficar com ela. Já Viih... Eu até hoje não entendo os motivos da patricinha resolver morar em um lugar sujo, apertado e péssimo! Ela saiu de casa por rebeldia com os pais, que a davam tudo. Apesar de amá-la, não consigo deixar de pensar em sua ingratidão com eles. E então, há exatos quatro meses, estamos aqui, juntas. Sobrevivendo.

— Eu tô cansada... — diz Jay, baixinho. — Cansada dessa vida, cansada de... cansada de tudo. Eu só quero sumir.

Penso em levantar para ir até ela. Sei que deveria fazer isso. Mas sei que estou tão destruída quanto e... acho que não tenho forças para ajudar nem mesmo a minha melhor amiga. Olho de relance para ela, em seguida, para o meu celular. Resmungo para mim mesma que devo parar de pensar nessa ideia idiota. Mas quando Jay começa a chorar — e Jay nunca chora — meu coração se quebra tanto que eu me levanto em um pulo.

— Eu recebi uma proposta de emprego! — digo, fechando os olhos para evitar de ver as reações delas.

Quando abro, cerca de um minuto depois, Jay está me olhando incrédula e confusa. Viih apenas está surpresa.

— O que? — pergunta Jay.

— Eu recebi uma proposta de emprego.

— E você não pensou em falar pra gente? — esbraveja.

— Não é uma coisa muito boa...

— É dinheiro! — é Viih quem interrompe dessa vez. — Estamos na merda, no zero, e você guarda um segredo desses? É tipo... é tipo... é tipo você estar pegando o ex da sua melhor amiga em segredo e não contar!

Apesar de gostar de Vivianne, reconheço fielmente que suas analogias de patricinha são bem erradas. Mas não preciso falar nada, porque Jay fala por mim:

— Não — diz se levantando. — Isso é muito pior.

Jay vai para a cozinha, a seis metros do sofá. Tento chamá-la, mas ela me corta antes de ter a chance.

— Nem tente, Hope. Nem tente.

— Jay...

— Não. Você sabe o quanto eu estou procurando por um emprego? Essa vida é um lixo, Hope! E você desperdiça algo assim? Meu Deus, você é tão...

— É como prostituta! — grito.

Viih, que estava no sofá, continua de boca aberta. Jay, que tem uma expressão indecifrável... começa a rir. Ela começa a rir.

— Essa foi boa — disse Jay, entre os risos, quase se engasgando. No entanto, mantive a minha postura. Eu gostaria muito que fosse mentira.

— Jay... — chamou Viih.

— O que, Vivianne? — perguntou, ainda rindo.

— Acho que... acho que ela tá dizendo a verdade.

Jay parou de rir.

— Hope?

Só percebi que estava com o olhar baixo quando precisei encara-la. Dei de ombros.

— Um velho amigo do bairro me viu na rua. Disse que ele tinha uns contatos que podiam ajudar... eu entrei em contato, então...

— Então te chamaram?

Assenti.

— E você disse não, não é?

Assenti outra vez.

— Mas... — tentei dizer.

— Mas...? — perguntou Viih.

Dei de ombros.

— Precisamos da grana. Vocês sabem disso.

— Ela tem razão, Jay.

— O que? Vocês estão doidas? — perguntou Jay.

— Você já fez de tudo, Jay. Deixe que eu tente ajudar, dessa vez. Apenas deixe que outra pessoa faça o trabalho tudo. Nem tudo tem que ser em cima de você o tempo inteiro. Deixe um pouco de dor e fardo para os outros — soltei.

Jay se encolheu e virou o rosto.

— Jay, eu não...

— Não. Você está certa. Desta vez — arregalei os olhos. Inacreditável. — Você quer mesmo fazer isso?

— Alguém quer se tornar prostituta nessa vida? — perguntei, mais para mim do que para alguém em especial.

— Tem gente que acaba gostando...

— Cala a boca, Vivianne — dissemos eu e Jay, juntas.

— Tudo bem. Faz. Mas eu faço também.

— O que? — indaguei, surpresa e confusa.

— Aceita o trabalho. Eu também aceito.

— Eu também! — olhamos para Viih. Mas desviei meu olhar novamente para Jay.

— Tem certeza? — perguntei. — As duas.

— Sim! — disseram em uníssono.

Soltei um suspiro demorado, balancei a cabeça e disse, por fim:

— Ok, então. Modo prostituta: ativar!

Viih bateu palminhas. Jay me olhou preocupada. E eu? Afundei mais uma vez no sofá, torcendo para que, desta vez, a vida tenha piedade não só de mim, como de nós três.

StarGirl - Livro 1 da série "The Girls".Onde histórias criam vida. Descubra agora