09 de julho de 2019
Brian,
Não sei ao certo como te chamar, você me nomeou de ex-amor e eu achei esse termo desapropriado, porém não tenho nomes para te oferecer.
Sim, se passaram seis meses. Seis meses. E você não sabe como meu coração doeu, não imagina o quanto ele foi quebrado, você não sabe quantas vezes eu tive que ser enviada para o conserto. Conserto com S mesmo, porque ao concerto de música clássica ao qual eu iria me apresentar como bailarina foi por água abaixo, eu não consegui mais subir nas sapatilhas de pontas, você era minha principal plateia e naquele dia eu não queria sequer ver o público se seus olhos não tivesse ali, o medo habitava em mim – confesso que ainda habita – e me impediu de sair de casa. Mas você foi, eu fiquei sabendo pela boca de um qualquer. Você foi e eu consigo imaginar seus olhos míopes forçando a retina tentando me identificar no palco entre todas as bailarinas com saias de tule pretas. Mas eu não estava, amor, eu não conseguir ir e essa foi apenas uma das batalhas que eu perdi depois de te perder, e me perder dentro de mim.
Me submeti ao colchão úmido de lágrimas enquanto Mozart tocada deprimente no teatro.
Seis meses; Esse foi o tempo que você levou para vir até mim através dessa carta escrita em folhas sem pauta. Suas letras desalinhadas chegaram como ondas que afundam nossos pés na areia, eu recebi a onda mas não sabia se corria em direção ao mar, me deixando afogar entre as pedras, ou se corria em direção areia em uma corrida sufocante em meio ao sol de meia dia. Seis meses foi o exato tempo de permanência da minha última lágrima em meu rosto. Eu perdi toda e qualquer barreira que podia existir entre mim e as ondas. O amor, de fato, não deixou de existir Brian, não morreu, mas a cor de açafrão daquele girassol não existe mais, desbotou junto com o meu sorriso, ficou manchado feito meu rosto débil e se tentar fazer com que ele se levante na luz do sol ele não se ergue, se curva. Porque, amor, o amor não deixou de existir, mas passou a destruir.
Pareceu certo ir a Grécia, pareceu certo ter meu próprio sonho, seguir minhas vontades por mais que um dia elas tenham sido nossas. Pareceu certo tentar viver. O passo além do quarto foi terrivelmente certo apesar de torpe; assim que eu sai do aeroporto fui gracejada com o céu estrelado, o que você disse que tinha em minha boca, ali diante das estelas que nos cobria, mesmo em continentes diferentes, me veio o seu rosto rico em detalhes que os cinco meses não foram capaz de apagar, e agora são seis meses tracejando com o olhar todas as linhas do seu corpo. Sinto como se as pontas dos meus dedos vibrassem com a possiblidade de tocar em cada ponto seu que um dia já foi casa pra mim.
Amor, me peguei perdida e entregue ao destino que qualquer um quisesse desenhar nos primeiros três meses, os girassóis do quintal me sucumbiam quando eu os avistava pela minha janela, ela não voltou mais a ser aberta. Nem meu diário que servia para memorizar as lembranças com você foi aberto, eu não tinha mais o que contar, eu não tinha palavras para escrever, sequer dizer, não havia mais linhas a serem preenchidas por mim, você me levou tudo e eu nunca entendi o porquê. Você um dia me trouxe luz e eu te chamava de vagalume por ter feito minha vida brilhar em questão de segundos, mas, amor, no fim você me deixou no escuro e eu não compreendia como que você esperava que eu conseguisse brilhar sozinha.
Naquela sexta-feira voltei para cara com os pés machucados e o coração em mãos, eu daria a qualquer pessoa que quisesse. Não fazia sentido carregar algo que não tinha sido meu, algo que te entreguei como se eu não merecesse que pertencesse a mim, algo que não cabia em mim. Não fazia sentido carregar algo só por doer. Com ele ou sem ele, ali eu não era mais eu. Ou melhor até ali eu não tinha sido eu. Até então o término era incerto em minha mente, irreal demais para caber em lembranças, eu esquecia a cada piscar de olhos que o fim havia acontecido. Me pegava sorrindo ao querer te contar as desventuras do meu gato, e a lágrima surgia logo após ao saber que você não riria comigo do ocorrido.
Então eu fui incontáveis vezes no restaurante da avenida 38. A primeira vez foi na manhã do sábado após o fim, eu esperava que você de algum modo estivesse ali com o girassol em mãos, eu esperava que o perdão pairasse em mim, mas como que se perdoa alguém que te desfez inteira? Como que perdoa àquele que te matou ainda em vida, Brian, você me desmontava como quem se enfurece com o medo da perda, e você foi me perdendo no mesmo compasso em que eu me perdi por diversas vezes. Eu sequer me encontrei ainda e você me propõe através dessa carta mais um desmonte. E eu me transbordo de amor e ódio. Morrendo no vermelho carmesim e renascendo no vermelho sangria. Impossível confundir um com o outro, não é?
Você consegue entender que o nosso amor é um meteoro? Quem ver de longe enche os olhos com a chama, mas é pura destruição.
Só agora eu entendi que quando se tenta pôr a peça certa no quebra-cabeça errado, por mais que encaixe, machuca, vai rasgando aos poucos. A gente tenta se moldar, se encaixar, se força um pouquinho dos lados, e com um sorriso no rosto dizemos "deu certo, conseguimos nos juntar" e ainda afirmamos "você se encaixa no meu quebra-cabeça" como se só o fato de se encaixar fosse o suficiente. Você está completo assim? Você se vê inteiro, ou te falta aquela última peça que você achou que qualquer outra serviria?
Só amar é o bastante, amor?
Sorrir para fotos é o suficiente para ser feliz? Você deduziu por fotografias que a felicidade tinha habitado em mim nesses últimos meses, eu queria até te afirmar isso e dizer que me vejo completa agora e que carrego um sorriso inabalável e restrito a mim. Mas eu não encontrei minha peça ainda, a tristeza surge como avalanche mais vezes do que eu gostaria e meus pés ainda estão soterrados de areia. A última vez que fui no restaurante foi há nove semanas atrás, eu era melancolia pura e meu peito se esfriava com o vazio que passei a ser. Eu levei uma folha em branco dobrada quatro vezes, disse a mim mesmo que aquela seria a última vez que eu iria, por mais que meus pés tentassem desobedecer essa ordem eu cumpri, e o branco da folha A4 seria meus últimos versos para você, eu sempre fui isso não é? Poesia pura. E acredite, aquelas linhas vazias era tudo de mais valioso que eu poderia te dizer. Ali foi o fim mais uma vez.
Desejei o céu e o inferno para você, e depois percebi que entre esses dois eu preferia mesmo que você habitasse no horizonte, longe o suficiente de mim e perto o bastante da paz que você dizia morar em você quando eu te tinha em meus braços. Percebi que meus membro ficaram leves demais sem você, e aos poucos aceitei que a leveza da pele não fazia mal, então a trouxe para o coração e sem perceber concluí – e a acolhi – que devia ser assim: sem terras que atolam os pés e com a leveza que me faz flutuar. As ondas, o mar que é você, permite a flutuação mas nos tira o fôlego, seu oceano era assim pra mim, amor, me permitia o voo mas não a respiração. E por mais que eu quisesse flutuar só isso não bastava, eu precisava de ar. Eu preciso.
Brian, minhas palavras correram por essas folhas antes que eu pudesse conter. Não houve chance de eu deixar essas páginas em branco como fiz antes, não houve tempo para contê-las. Mesmo com a insanidade presente abrindo todas as portas do meu corpo, meu coração, diferente do seu, não saltou, não pulou a janela e não se jogou para você. Houve margem para a sensatez. Há dor presente, porque apenas suturar meu louco coração não causa esquecimento, as histórias que as cicatrizes contam não são contos de fadas, não tem príncipe nem princesa, muito menos uma fada madrinha. Amor eu não devo segurar seu coração.
Agora estou aqui diante dessa mesa, nesse bar em que nos conhecemos, é sexta-feira você está diante de mim lendo esta carta que está em suas mãos. As estrelas estão em cima de nós e a lua não veio. Você veste essa blusa cor de açafrão que te dei há três anos atrás, foi assim que você descobriu minha cor favorita, "a cor que desperta meus olhos" como você diz. Tudo isso definitivamente era desnecessário, não havia como eu esquecer do nosso amor, mesmo assim estou com o vestido azul cor do mar, e não há vento que o balance. Seu coração está nos ritmos das escolas de samba do Brasil, e dentro de mim há a agitação do carnaval, combinamos isso? Eu te amo, Brian mas como disse William Shakespeare "no entanto, para dizer a verdade, hoje em dia a razão e o amor quase não andam juntos". Olhe, para mim, este é o último girassol.
Bel.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A cor de açafrão
RomanceAgora foi a vez de Bel colocar para fora tudo aquilo que foi guardado durante os seis meses, será que ela aceitou o convite de Brian? PS: A parte do Brian (que vem antes dessa) já foi publicada :)