A passagem

Capítulo 1 | DESEJOS

"Eu não consigo ver e você conhece tudo.

Mesmo assim, a minha vida não será inútil, porque sei que nos encontraremos de novo.

Em alguma divida eternidade."

Oscar Wilde.

Mais uma manhã nublada e chuvosa na minha cidade preferida.

Sim, algumas pessoas odeiam tempo nublado e chuvoso. Não uma chuva torrencial, essa também me incomoda, mas essa garoinha me fascina.

Amo caminhar e sentir cada gotícula que cai sob a minha pele me proporcionando uma sensação de frescor sem igual, e por isso a minha cidade, Curitiba, é a melhor cidade do mundo.

Simplesmente porque ela me proporciona tudo o que eu mais gosto, ar gelado, tempo nublado e claro, a possibilidade de viver meu estilo gótico, de me vestir sem sofrimento, porque preto no sol é intenso.

Em uma breve temporada da minha vida, e graças a deus foi breve, morei na Bahia, não que lá fosse um lugar ruim, claro que não, pelo contrário é um dos lugares mais belos que já conheci, mas, vocês já pensaram como é viver de preto e bota em um calor que passa dos 40°?

É impossível!

Então quando minha mãe se esforçou para conseguir voltar para a nossa cidade natal, Curitiba, eu a apoiei de todas as maneiras possíveis, porque eu quero sim ir pra Bahia, mas somente a passeio.

Abro mão de tomar água de coco todo dia pra poder manter quem eu realmente sou, a menina de preto, como todos da outra escola me chamava.

Caminho pela cidade com o peito estufado me permitindo sentir cada onda do vento tocar meus longos cabelos negros e ouvir a borracha do meu coturno gritar contra a calçada úmida em meu ritmo acelerado pra chegar à escola e terminar, finalmente esse último ano insano do colegial.

Atravesso a rua me preparando pra correr e pegar o portão aberto quando avisto a minha amiga, Rose, chegando com sua mãe.

-Rose! – digo alto e corro ao seu encontro.

-Senhora Tálassa, bom dia! – digo apressadamente.

-Bom dia, Catarina. Preparada para o final de uma era?

A pergunta me fez enrugar a testa e um vinculo de dúvida se formou no centro dos meus olhos. "Final de uma era"? Como assim, só vou terminar o último ano do colegial e decidir qual caminho da vida devo, definitivamente, seguir.

Percebendo o meu desconforto com a pergunta, ela logo se corrige com um lindo olhar doce, delicado, que no fundo eu sinto que guarda uma grande tempestade marítima dentro de si.

-Eu quis dizer se você está preparada para enfrentar o último ano escolar. – disse sorrindo sinceramente pra mim. – Rose está enlouquecida agora que Ponto esta pressionando para decidir o destino da sua vida.

-Mãe, por favor, não quero ouvir o nome do meu pai pelo resto da minha vida. Será que você pode apagar o nome dele da sua mente e da minha vida?

Rose protestou, saindo do carro rapidamente e batendo a porta com força.

O lindo carro, uma Mercedes-AMG GT R Pro, sentiu o ódio da filha do seu dono em sua reluzente lataria.

Olhei assustada para a Senhora Tálassia que apenas fechou os olhos lentamente, respirou fundo, abriu o vidro que dá visão a calçada onde a filha estava e disse:

- Também te amamos, filha. Boa aula.

E com um sorriso que não chegou aos olhos ela se despediu de mim com um aceno de cabeça.