Por Marina de Jesus
Eram três pequenas e modestas casas enfileiradas num caminho estreito de um bairro universitário. Laura morava em uma das casas, a da ponta mais especificamente, era o único lugar que ela podia pagar com o mísero salário que recebia. Na outra casa da ponta, residiam duas irmãs que trabalhavam o dia inteiro e estudavam à noite e a casa do meio, maior, melhor e mais cara, nunca havia sido alugada desde que Laura começara a morar no local, nunca até então.
Chegara durante a noite sem fazer muito barulho. Nada se ouvia além de pequenos ruídos e arrastar de móveis. Era como um fantasma que surgiu do nada. Ficara assim por dias. Não se via ele ou ela entrar ou sair, o único detalhe que fazia sua presença ser notada além do ranger do portão abrindo e fechando, era a toalha de banho branca que volta e meia aparecia no varal. Pelo menos ele ou ela toma banho, ela pensava.
Um mês se passou e Laura estava cada dia mais corroída pela curiosidade de saber quem era o tal vizinho, sim, era um homem, a única coisa que ela havia descoberto, um homem que apesar da toalha branca só parecia usar roupas pretas, deduziu isso ao vê-las no varal, calça, camisa, paletó e um par de luvas, ainda que o inverno não estivesse tão frio ao ponto de exigir que se usassem luvas. O que um homem elegante e aparentemente com boas condições financeiras, a julgar pela qualidade das roupas, estaria fazendo ali? Laura se perguntava.
A curiosidade aumentava e aumentava e tornou-se insuportável. Quem era aquele homem? Ela precisava saber! Aproveitando a folga do trabalho, ficou atenta o dia inteiro até que finalmente ouviu o barulho de um portão abrindo e fechando, alguém havia saído e não foram as garotas, pois as mesmas estavam de férias na casa dos pais. Só poderia ter sido o tal vizinho. Correu até a frente da casa, as luzes estavam apagadas, não parecia haver ninguém realmente. Agora ou nunca, agora ou nunca, agora ou nunca... Encheu-se de de coragem! Pulou o pequeno muro que cercava a mesma com facilidade, parou em frente a porta, girou a maçaneta, estava destrancada, sinal de que ele voltaria logo, precisava ser rápida e encontrar algo que o identifica-se, idade, profissão, uma pista, qualquer coisa, se tivesse sorte uma carteira de identidade ou de motorista... Nada na sala, foi para o quarto, estava trancado, correu para a cozinha, tudo em ordem, nada que pudesse ajudá-la a sanar a dúvida que lhe moía os ossos, nem um fio de cabelo sequer. Ao menos ele é organizado, ela pensou.
Ia se virando para sair antes que fosse pega bisbilhotando a casa do vizinho. Ria de si mesma por ter criado tantas teorias a respeito dele quando algo lhe chamou a atenção: um pouco de líquido vermelho e viscoso saía da parte de baixo da geladeira e começava a pingar no chão. - Sangue!? - Falou baixinho. Caminhou em direção a mesma, a cada passo que dava, seus pés pareciam pesar cada vez mais e um arrepio frio tomava conta do seu corpo. Fechou o olhos, criou coragem, respirou fundo e puxou a porta abrindo-a de uma só vez.
Arregalou os olhos, colocou a mão sobre os lábios para conter um grito de horror. Não conseguia acreditar no que seus olhos viam, piscou algumas vezes para ter certeza de que não estava sendo enganada pelos mesmos. Não, não estava.
Seus olhos não estavam enganando-a... Era uma cabeça humana de mulher. Cabelos negros, olhos abertos, vidrados, transmitindo o horror que vivera quando ainda havia um corpo, quando o coração batia, pupilas esbranquiçadas que deviam ser negras ou castanho escuro. Não! Não podia ser! Havia também um bebê, um bebê morto, dois ou três meses de vida... estava sem um dos braços.
Laura ficou paralisada diante do que via, não conseguia tirar os olhos da macabra cena que estava em sua frente, dentro da geladeira do seu vizinho. Aterrorizada, fechou a porta da geladeira e deu dois passos para trás, seu coração batia acelerado e ela respirava com dificuldade.
Então lhe ocorreu que precisava fugir, sair dali e chamar a polícia o quanto antes, o vizinho poderia estar voltando afinal... Virou-se novamente decidida a fazer isso o mais rápido possível, deu de cara com um corpo de quase dois metros com uma lâmina cintilante nas mãos. Não teve tempo de gritar.
Horas depois, o homem, ouvindo a Sétima Sinfonia de Beethoven, jantava pernil de vitela assado com batatas e alecrim, carne fresca, recém abatida.

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Contos de Uma Mente Fértil
General FictionOlá, cara leitora ou leitor! Estas são as primeiras histórias que publico aqui (espero que as primeiras de muitas). É/Será uma coletânea de contos e/ou minicontos diversos (uns mais tristes outros mais alegres). Tentarei postar um novo toda terça-f...