Ele entrou devagar nos aposentos do líder da seita, agora seus aposentos, mas ainda assim foi difícil não esperar que seu irmão aparecesse a qualquer momento, terminando de se arrumar para o dia, o rosto ainda relaxado antes de os problemas da seita lhe atingirem, como acontecia todos os dias.
Fazia quase um mês que aquele quarto lhe pertencia oficialmente, mas apenas agora Nie Huaisang havia reunido coragem de entrar ali. Ele não permitiu que mais ninguém entrasse, tampouco. Aquele era o lugar de seu irmão. Não do líder da seita Nie, ou de ChiFeng-Jun. Era o lugar onde Huaisang ia para conversar com seu irmão, rir, tomar chá, e ter aquela sensação quente de família que nem sempre eles podiam ter.
A dor em seu peito ao pensar nesses momentos era forte, e ao invés de começar a arrumar as coisas que eram de MingJue, como era sua intenção, ele apenas sentou-se na cama, respirando fundo. Estava sendo muito difícil não chorar, mas ele percebeu bem rápido que todos ali esperavam dele uma liderança forte, agora que substituiria seu irmão mais velho. E por mais que houvesse o momento das lágrimas, em que toda a seita lamentou a perda, aparecer constantemente com os olhos inchados de chorar teria sido considerado fraqueza.
Então ele apenas respirou fundo, controlando todos os sentimentos grandes demais dentro de si, e mantendo a fachada calma e talvez até um pouco alheia, que todas as pessoas pareciam achar que era seu estado natural. Não era fácil, mas ele conseguiria.
Nesse momento seus olhos foram atraídos por algo que lhe distraiu. Havia um pequeno baú, ricamente entalhado, que MingJue guardava em suas coisas, e por mais que Huaisang tivesse lhe importunado, o mais velho nunca lhe mostrou o que havia ali dentro. Ele se levantou e foi até lá, pegou o baú e voltou a se sentar na cama. Suas mãos tremeram um pouco ao abrir a tranca e erguer a tampa. Sua testa se franziu ao ver vários rolos de papel cuidadosamente amarrados e guardados, com tecido fino entre as camadas para evitar amassar ou danificar. O Nie mais jovem não conseguia pensar em nada que MingJue guardaria com aquele óbvio cuidado, já que o irmão era um homem de ação, e não de papel e tinta.
Pegando o primeiro rolo, soltou o laço com todo cuidado, esticando o papel. Seu coração disparou ao ver a imagem de um belo lago cercado por uma cadeia de montanhas, a paisagem finamente retratada. Sua assinatura estava no canto da folha. Ele havia feito essa pintura para o irmão depois de retornarem de uma caçada. Para a exasperação de MingJue, ele mal havia tocado em seu arco, que dirá capturar algum animal. Huaisang havia pensado que o irmão ficara com raiva por sua óbvia falta de empenho, e deduziu que ele deveria ter no mínimo deixado o desenho em algum lugar por aí, ou, se sua raiva fosse grande o suficiente, rasgado e jogado fora.
Ele enrolou com cuidado de novo, e pegou outro. E lá estava uma retratação sua das muralhas do Reino Impuro, e lembrou que até mesmo seu irmão havia erguido uma de suas sobrancelhas em admiração pela riqueza de detalhes que havia ali. Ele havia dito que iria emoldurar a pintura e expô-la, mas quando o tempo passou, Huaisang havia pensado que o irmão apenas esqueceu, preocupado com o que ele considerava mais importante.
A cada rolo que ele desenrolava, mais dor e felicidade lhe atingiam, golpes iguais que esmagavam seu coração. Estavam todas lá, todas as pinturas que ele deu a MingJue durante a vida. Todas guardadas pelo seu Da-ge como um tesouro precioso.
Ele já não tinha muita força, e as lágrimas enfim corriam por seu rosto sem restrições quando ele pegou o último desenho, que estava mais no fundo do baú. Este porém não tinha um traço refinado, como os outros, mostrando apenas duas figuras sorridentes um pouco disformes, uma bem alta, e outra bem pequena, ambas de mãos dadas. Fechando os olhos, ele deixou a recordação voltar.
"- Mas da-ge, eu não quero ficar aqui sozinho". - A voz infantil soou, e as imagens então surgiram.
Havia duas pessoas perto dos portões, um rapaz de uns dezoito anos, forte e alto, mesmo que no momento estivesse ajoelhado, e um menininho pequeno, com o rosto choroso, enquanto olhava o outro.
– A-Sang, você não vai ficar sozinho, várias pessoas vão estar aqui. Não precisa ter medo. – O mais velho sorriu, colocando a mão no alto da cabeça do menininho. Ele então tirou algo de dentro de sua manga, entregando ao irmão mais novo. – Aqui, use isso e desenhe tudo que te deixa feliz. Isso vai impedir que você sinta medo. – Era um pincel bonito, feito de madeira escura, com uma ponta afilada.
As mãozinhas pequenas do mais novo pegaram, seu rosto se enchendo de admiração, e então ele abriu um sorriso com falhas de dois dentes que ele havia perdido recentemente, e lançando os braços ao redor do pescoço do irmão mais velho, exclamou um alegre 'Obrigado, da-ge!'
Dois dias depois, quando a comitiva voltou, nem bem MingJue desmontou seu cavalo, quando ouviu uma voz lhe chamando de longe 'da-ge! Da-ge! Da-ge!' até Huaisang aparecer numa curva, correndo o máximo que conseguia, um sorriso no rosto, e uma folha balançando numa das mãos. Assim que chegou perto, atirou-se nas pernas de MingJue, sorrindo e olhando para cima. O mais velho também sorriu, e abaixou, dando um abraço no irmãozinho.
– Olha, da-ge! Você disse pra eu desenhar o que me deixa feliz, e eu fiz! – O pequeno chacoalhou o papel, então.
MingJue o pegou, e olhando, seu sorriso se esticou mais, pois a coisa que deixava seu irmão feliz eram eles sorrindo e juntos.
– Você fez muito bem, a-Sang. Ficou bonito.
– É pra você, da-ge! – O pequeno pareceu deliciado por seu irmão ter gostado do desenho.
– Obrigado. Agora vá com o ZonGhui de volta para o seu quarto, e depois eu vou até lá ver você.
O menino concordou, ainda sorrindo, e então deu a mão ao outro jovem que aguardava ali perto, o amigo de seu irmão, e os dois se afastaram. MingJue ficou olhando enquanto eles partiam.
Já no quarto, Huaisang, animado, sentou em sua cama, e olhou para o rapaz que estava ali.
– Ghui-ge, você viu? Meu da-ge gostou!
ZonGhui veio sentar-se ao seu lado também, e bateu de leve no alto de sua cabeça.
– Sim, eu vi. Você fez bem, a-Sang.
O menino então parou, pensando um pouco, e com a voz esperançosa, perguntou.
– Ghui-ge, você acha que se eu fizer muitos, muitos desenhos pro meu da-ge, isso vai fazer que ele não fique bravo, igual nosso pai?
O rosto de ZonGhui suavizou ainda mais, e ele sorriu ternamente antes de dizer:
– Acho que vale a pena tentar."
Os olhos de Nie Huaisang abriram, a tristeza e a saudade como duas presenças ali no quarto, substituindo aquelas duas pessoas que ele havia perdido. Ele guardou com cuidado todos os desenhos de volta no baú, e depois o abraçou. Por aquela vez ele se permitiria sentir a sua dor. Só por aquela vez.