O demônio.

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A psicóloga

Os adultos estão em casa devido à forte tempestade que está por vir. Algumas crianças brincam no quintal com seus vizinhos, fazendo seus gritos alegres ecoarem pelo silêncio da rua junto ao motor do único carro que estava passando por lá.

Dentro do carro, Luísa sente novamente ao peito a falta de ar. A tontura vai gradativamente aumentando e seu raciocínio se confunde conforme dirige por aquela vizinhança.

Por que agora? Ela pensou.

A sensação de morte invade sua mente, ela aumenta o volume do rádio ao máximo, mas logo observa que aqueles sentimentos horríveis vieram de forma irreversível.

Luísa rapidamente para o carro, próximo à calçada, e sai com pressa em direção a esperança de melhorar. Examina cautelosamente a área, como se estivesse cometendo algum crime, e tira de sua bolsa uma cartela com alguns poucos cigarros e um isqueiro, acendendo-o enquanto se apoia ao capô.

O que a moça estava sentindo naquele momento era como ter um monstro, dos mais horríveis, vivendo dentro de si mesma. Tal criatura sempre esteve presente durante sua vida, mas contido, enjaulado no corpo hospedeiro. Somente em algumas raras ocasiões, o monstro grita — com um tom agudo dos mais insuportáveis — movendo seus braços e pernas, tentando sair do lugar em que se encontra.

É necessário total concentração do hospedeiro para conseguir conter o monstro que vive dentro dele. Os urros constantes da fera retiram o fluxo de seus pulmões e desnorteiam sua mente. É impossível ignorar. No caso de Luísa, uma droga como a nicotina ou alguns miligramas de Rivotril também são indispensáveis.

Enquanto sua dor dá sinal de desaparecimento, Luísa não consegue parar de pensar no que ocorrera. Não é a primeira vez que essa aflição a assombra, também não foi a vez mais marcante dentre as outras, mas, mesmo assim, a aleatoriedade desse tormento sempre foi seu maior medo.

Os minutos foram passando e o atraso para sua próxima consulta, marcada para as 15:00, foi se dando como quase certa. Como formigas enfileiradas atrás de comida. Ela se comparou.

Mas essa rotina nunca a incomodou. Na verdade, sempre foi essa a vida que ela buscava. Por isso, em um estado de encontro com si mesma, ela joga o cigarro no chão e resolve seguir até a consulta, marcada na casa do paciente.

O carro faz curvas improvisadas, como se o destino de Luísa fosse um lugar em que o mundo esqueceu de dar atenção. A transição de ambientes é notória visto a tinta rachada de alguns prédios e promessas de construções que nunca foram cumpridas.

Ao contrário do comum, Luísa abre um sorriso ao entrar no local. Ela lembra das vezes que, quando criança, passeava sozinha por aquela rua, sempre improvisando suas próprias maneiras de se divertir. Se qualquer resquício de dor ou incômodo ainda estivesse presente nela, tal dor sumiria, sendo substituída por lembranças.

Luísa chega ao local, logo avistando o prédio em que seu paciente se encontra. Ela pega um caderno com todas as suas anotações e segue até a portaria, sendo recebida apenas por alguns degraus à frente e um interfone. Ela não precisava mais pescar em suas notas o número do apartamento, pois percebera que já tinha tudo aquilo decorado na sua mente.

O barulho da chamada toca mais do que deveria. Sua maior preocupação se concentra não no paciente e sim nela. Existe uma chance de sua crise de pânico retornar durante a sessão. Por isso, antes de entrar, ela fecha os olhos e respira calmamente, colocando e retirando o ar de seus pulmões de forma manual repetidas vezes.

Com o tempo, sua respiração passa a entrar em ritmo com sua mente, passando por inúmeros tópicos em que ela sabe que vai se esquecer depois. Por um mísero segundo, sente medo de acordar e ter que encarar mais uma vez o desconhecido, o aleatório. Talvez seja mais fácil morar nesse transe. Pensou.

O demônioOnde histórias criam vida. Descubra agora