tenho pouco a dizer sobre almas penadas e naftalina.
coberta de sol todos os dias e com raízes de jibóia crescendo ao redor do meu pescoço, gosto de fingir que sirvo como o ponto transitório entre o mundo real e o eterno desconhecido – possivelmente ardente, outro lado.
as vezes as plantas em meu pescoço mentem para si mesmas, outrora olhando umas para as outras e questionando a existência de um vivente, sorridente e estridente espanta-corvos bem no meio do cômodo mais ilumado da casa, o que convenhamos, seria – e é – uma piada! mesmo que eu me sinta exatamente assim, meio morta e respirando ou meio desiludida e sorrindo para o cataclismo em meus olhos de botão.
mamãe fingia que entendia a complexidade de episódios depressivos e constantes mudanças de humor, mas depois de muito tempo no batente da janela pegando sol, observando o milharal secar com a ausência de chuva e já cansada de tentar arrancar queimaduras de minhas bochechas eternamente brancas, parei de tentar explicar como funciona.
num dia, flores brancas, vestidos de cetim e bordados maravilhosos de flores amarelas em meus cabelos loiros. no outro, círculos escuros em meus olhos e raízes de ervas daninhas crescendo no pescoço. intacta e sorridente. alarmadamente feliz com congelantes ventos minuanos no interior da artéria mais importante do corpo. se quiser, vai ter que aprender sozinha! ou pelo menos, tente se aventurar.
comumente me apelidei de espantalho, daqueles que assustam corvos e tentam como miseráveis um encaixe que não seja restrito aos campos horizontais de milho verde. admito lentamente conforme os meses passam que talvez eu nem seja tao assustadora quanto penso que sou, visualmente falando, óbvio. por outro lado, acho que mereço servir de cabideiro para cada uma das minhas 7 ex-garotas-corvo. eu as amei incondicionalmente até que conseguissem plenamente desenvolver a fala quando pousassem em meus ombros de madeira para com toda a convicção e poder, gritassem em meus ouvidos de pano. corpo tomado, coexistindo com toda e qualquer espécie de planta trepadeira, até as mais sujas e peçonhentas.
eu continuo sabendo mais do que deveria. o verão inteiro pegando fogo, alguns dias de chuva, alguns dias meio mais pra lá do que pra cá, mas sempre permitindo a entrada do sol. assim como planejei. gosto de conviver com a tranquilidade da ignorância e a continuo idolatrando. a parte engraçada disso vem quando eu, trajada inteiramente de sorrisos solares e flores rosadas, ainda admiro a escuridão em meus olhos e a túnica preta que cobre meu corpo inteiramente, desde os loiros cabelos até a pontinha do pé. nos últimos dias, creio que eu até tenha começado a gostar do conjunto engraçado que as minhas bochechas iluminadas e os meus pretos olhos de três décadas atrás acabaram formando depois que todas vocês 7 partiram.
garota-espantalho tomado de gemidos dolorosos de vento norte quando a chuva atinge seus pedaços apodrecidos de madeira. plumas negras explodem aos céus, mas não posso olhar para cima: me limito aos movimentos endurecidos que a minha cabeça de saco de pano consegue executar, de um lado pro outro; direita, esquerda e nada mais.
uma das 7, possivelmente irreconhecível aos meus pequenos olhos antes solares, e agora de botões, pousa majestosa numa das minhas mãos de luva de pano.
de um lado para o outro, sua cabeça pequena e pensativa contorce os miolos, engrenagens e tudo mais.
sei que é um pouco assustador, mas acho engraçado pensar que corvos desenvolveram a fala melhor do que papagaios ao longo dos anos. fora isso, o fato nunca deixou de ser uma faca de dois gumes.
vem a sussurrar através dos seus lábios de palha, um momento rasgado para sempre.
quando acordo, estou trajada em branco, minhas bochechas estão vermelhas de amor, efervescente e eterno verão. olhos bordados com heras secas e coisas assim.
"seori, nós não podemos transformar seus trapos em riquezas"
o céu ainda está escuro.
sempre admirei os pássaros, menos os que causam a destruição de plantações e coisas assim. do jeito que as coisas andam, sei que em breve eles, os corvos, começarão a me destruir como mera espiga de milho.
tudo nao passa de um sonho.
aguardo minha oitava garota, dou um sorriso poente e faço com que ela se sinta amada.
em breve serão oito a crocitarem em meus ouvidos: "você prometeu,
você pometeu não mentir!"
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scarecrow
Poetrynos últimos dias, creio que eu até tenha começado a gostar do conjunto engraçado que as minhas bochechas iluminadas e os meus pretos olhos de três décadas atrás acabaram formando depois que você partiu. (seori!centric) [Iaporte, abril de 21)