PRÓLOGO: PRESENTE.

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De repente, um borrão. Sinais de vidros estilhaçados e um zumbido ininterrupto. Tentava mover minha palma mas não conseguia abrir os olhos, quem dirá usar meu sistema nervoso para alguma tarefa mais árdua.

Foi uma discussão besta que poderia ser adiada. Confesso que nos últimos dias nós dois não conseguíamos nem nos olhar. Eu dei a ideia de irmos juntos até a casa dos meus pais para o coquetel de 40 anos de casamento deles. Taehyung não queria.

Ele amava os dois, e disse que se sentiria péssimo em ir a uma comemoração de amor quando estávamos péssimos juntos. Talvez suas palavras duras tenham me atingido o suficiente pra tentar esconder lágrimas de fúria. E ele percebeu.

Não era como se sentíssemos ódio um do outro. Há dois meses ninguém diria que teríamos algum problema referente à... provável falta de amor.
Eu ainda o amor incondicionalmente, mas ele me amava da mesma forma? Inseguranças batem e se alojam de forma incoerente no nosso subconsciente, e eu sabia que era besteira pensar que meu próprio marido não me amava mais, porém uma mente fraca abre vincos no coração.

E eu consigo admitir meu erro em ver a nevasca caindo bruta, saber que um dos pneus do carro estava pelado e ainda sim não pedir um aplicativo de corrida. As chaves já estavam nas minhas mãos, não tinha o que fazer.

Oito e quarenta em ponto e estou saindo de casa, era muito importante minha presença no tal coquetel. Fui sempre o filho único, a criança de ouro, o pródigo. Nam hyung sempre comentava com mau humor que eu me saia muito bem nas atividades físicas durante o ensino médio.

Era a época que ele havia se rebelado e descolorido o cabelo. Seus óculos enganavam um pouco a carranca malvada, mas era literalmente um cabeção.

Acabo de fechar a porta do carro e aguardo o portão da garagem abrir, quando Taehyung interrompe o processo e entra no carro. Foi uma decisão que eu teria adiado, eu queria ter adiado. Nada teria acontecido com ele.

— O que está fazendo aqui? — comento o observando olhar sem emoção para o pára-brisas. Usava uma camisa gola alta e um sobretudo vinho. Eu achava esplêndida a visão dele para moda. Era absolutamente um das suas maiores paixões.

Lembro perfeitamente quando ele começou a trabalhar em uma boutique com 17 anos para arcar com o curso de cinema. Lembro que ele projetou as roupas da nossa cerimônia de casamento. Ele sempre fazia quando tinha tempo, alguma peça que se encaixava no que eu queria mas nenhuma loja oferecia. Depois de um tempo conseguíamos comprar coisas mais caras e de melhor qualidade, mas no início eu era seu modelo e sempre usava coisas feitas por ele. Até hoje tenho o cardigã de lã branca que ele me presenteou quando eu estava hospitalizado por causa de uma cirurgia. Foi o primeiro presente que ele me deu, aos 16.

— Eu estou indo pelo seu pai e sua mãe. Não quero parecer ingrato, eles nos ajudaram bastante. — o encaro por alguns segundos.

Sei perfeitamente o que ele quer dizer com isso.

— Não quero que vá se for apenas por presença. Eu digo que você estava passando mal e preferiu ficar em casa. O que eles fizeram foi de coração, você também é quase um filho deles.

Arfo sentindo meu olhos queimando. Acho que o estado emocional dele no momento não estava diferente, quando o vejo agressivamente arrumar a saída de ar e posicionar o cinto de segurança.

— Estou indo porque amo eles.

O carro já estava na entrada da nossa rua, o que seria uma distância de dois minutos se passaram como duas horas. Estar do lado dele era bom, mas nenhuma situação arisca é confortável, mesmo que seja com a pessoa que você mais ama no mundo.

Ainda o observo de canto de olho. O clima entre nós estava pesado, e acho que isso resultou até na natureza. Tinha as mãos pesadas no volante e o céu antes tão anil agora se agoniava com um cinza e furiosos cristais de gelo caiam na pista gélida.

Ele retira a aliança do bolso e coloca no dedo.

— Você não está usando nossa aliança. — digo em afirmação, tentando manter a naturalidade como se aquilo não me incomodasse. Mas a todo instante uma onda bloqueava minha respiração e minha narinas queimavam, os meus olhos inchavam e o volante se tornava maleável em minhas mãos.

— Eu guardei.
— Nosso símbolo? — uma risada escapa de meus lábios. Eu sabia que não conseguiria me controlar.

— E você ainda está usando? — ele se vira pra me olhar e olhar minhas mãos também.

— Todo santo dia, Taehyung. Nunca deixei sequer um dia passar sem honrar a promessa que eu fiz.

Me viro pra encarar sua feição molhada. Eu já sabia que viraria uma bola de neve ao longo da noite, mas não sabia que tudo explodiria ali.

— Você nos desonrou sim! Desonrou no momento que não me escutou, que deixou a Hayun te fazer. Você acha que eu não me senti magoado e afetado? Era nosso sonho! — neste momento não tinha toalha que secasse suas lágrimas, elas caiam descontroladamente pelo seu rosto fino. Só percebia ali que ele tinha a aparência cansada.

— Você não parece se escutar. Essa é a maior burrice que eu já ouvi na vida. — eu tentava me explicar mas sempre acabava piorando a situação, o que não era diferente agora.

E em meio aos gritos e tentativas de explicação dentro de um carro onde o pneu estava falho e a estrada lisa, eu o escuto.

— Quero o divórcio.

E de repente, um borrão.

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⏰ Última atualização: Jan 02, 2023 ⏰

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