Prólogo

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O telhado das casas dos Monburns era o melhor lugar para se observar o céu. Você já viu um gigante de J'darr? Se sim, você entenderia quando eu dissesse que a casa era duas vezes maior, mas graças à arquitetura Naloriana, ela possuía muitas elevações e paredes paralelas que facilitavam sua escalada, além de que ficava ao lado da Torre do Ferreiro. As chaminés - sempre quentes - me davam o calor que eu necessitava contra o frio cortante das noites em Mern. "Abençoado seja o ferreiro Jorn por trabalhar tão tarde. "

Eu começava a escalada do muro de pedra quase três vezes maior que eu quando a vi entre um vão das paredes "Ela está linda. " Pensei.

Eu não me recordava de quantas vezes havia sentado ali depois que meu trabalho para o Grant havia terminado. Embora eu tivesse deveres e meus irmãos estivessem me esperando em casa - se é que posso chamar aquele buraco de "casa" - eu precisava desse momento. Ela me fazia bem.

"Hoje você está mais bonita..." falei num tom gentil enquanto terminava de tirar a poeira da minha roupa. Eu estava sujo, como sempre. Tive que fugir por um buraco lamacento antes que aqueles guardas me vissem, foi por pouco dessa vez.

Mesmo após ouvir minhas palavras, ela permanecia quieta. Apenas me encarando.

Fazia tempo que não a via, mas ela sempre esperava por mim, todas as noites. "Desculpe ter demorado para aparecer, o Karl quebrou a perna brigando com um daqueles bastardos do Beco do Lobo e eu tive que cuidar daquele idiota" Tentei ser amigável mas tenho certeza que ela viu meu rosto se contorcendo para tentar simular algo parecido com um sorriso. Permaneceu em silêncio. Me fitando.

"Ele é louco! " Exclamei em um tom divertido. "Quem em sã consciência procura encrenca no Beco do Lobo sozinho? "Desta vez o sorriso foi sincero. Caminhei dentre os buracos do telhado, me sentei o mais próximo da chaminé e respirei fundo. Ela continuava distante de mim. "Da próxima vez eu vou com ele. Estou com saudade de esmurrar uns Lobos."

Olhei as cicatrizes nas minhas mãos. A do dia em que quebrei uma garrafa de vidro na cabeça do retardado do Gorl e do irmão dele estava logo ao lado da do dia em que cai desse mesmo telhado. Ela viu a minha queda nesse dia, e eu tenho certeza de que a vi rindo de mim. Gargalhei. Eu deitei de costas para o telhado quente e fechei meus olhos, sorrindo. Mesmo de olhos fechados eu sabia que ela sorria também.

"Estou treinando o Hag. O Grant me pediu pessoalmente para andar com ele, assim ele aprenderia como funcionam as coisas por aqui. " Tirei um pingente vermelho sujo de lama do bolso. "A gente rouba umas casas, umas pessoas ricas e as vezes a gente toma umas cervejas juntos. Ele é um bom garoto, só é muito ingênuo, sabe? "

Respirei um pouco e mesmo quando notei que estava falando demais e ela ainda assim não havia dito uma palavra sequer. Bem, ela nunca foi de falar mesmo.

"Ele é bom, somos uma boa dupla. Mas ainda sinto falta do Sain, ele era adoravelmente irritante. "

Eu sempre falava sobre meu dia, sobre algo que aconteceu nas ruas ou sobre meus irmãos. E não importava muito o que eu dissesse, ela sempre me ouvia. E ali ficamos por um tempo. Ela em silêncio e eu deitado, de olhos fechados, aproveitando o calor que a parede fazia nas minhas costas.

"Jin! " A voz do Hag era inconfundível porque parecia a voz de uma menina e seu sotaque de vai-saber-de-onde era forte. "Cadê você? "

"Bom, parece que eu tenho que ir agora" Dei o meu melhor sorriso e estendi a minha mão a ela. "É sempre bom conversar com você. "

"Você tá ai de novo?!" Hag era um pouco maior que eu, mesmo sendo três anos mais novo. Escalava tão bem quanto eu. Mas "tão bem" não se equivale a "melhor". "Você sabe que conversar com a lua só te faz parecer louco. Não quero que achem que ando com um louco. "

Caminhei até Hag. Já era hora de voltarmos para o Grant, ele tinha nossa próxima tarefa. "O que me deixa louco é sempre achar que tem alguma garota me chamando. " Ele ficava irado.

Tirei o pingente do bolso e entreguei para Hag "Vamos! Temos que entregar isso ao Grant. "

Bom, minha capacidade de irritar as pessoas só não era maior do que enganá-las.

O Caçador de CorujasOnde histórias criam vida. Descubra agora