Capítulo 1

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        60 dias antes

         São três e trinta da manhã e mais uma vez eu não consegui dormir, meus pesadelos estão cada vez piores desde que cheguei na Inglaterra. O internato onde agora passarei uma parte da minha vida não era o melhor lugar para onde eu deveria ir, mas minha madrasta convenceu meu pai de que seria uma boa para o meu estado de saúde. Ela me odeia disso eu sempre tive certeza, principalmente, depois que ela me mandou para esse lugar contra a minha vontade. Meu pai, sempre achou que a Vanessa sempre quis o meu bem, mas ela sempre quis foi se livrar de mim. E conseguiu! e meu pai nem se tocou ou se quer se importou com isso. 

        Afasto os pensamentos e levanto da cama, pego meu casaco em cima da minha cômoda e abro a porta do quarto, silenciosamente, para não acordar a Rebecca. Sigo pelo corredor que vai direto a escadaria da cozinha, vou em direção a porta  que deveria estar trancada essa hora, mas eu sei me virar: retiro um grampo do meu cabelo e o posiciono na fechadura e, em 1 minuto eu consigo minha liberdade. É claro que eu não iria fugir, por mais que quisesse não seria tão fácil, os muros que rodeava a  extensão de toda a propriedade eram altos demais para escalar e fugir em um pulo dali. Cheguei ao jardim, tudo ainda estava escuro havia apenas a luz de uma lâmpada perto do chafariz. Eu precisava respirar aquele ar da manhã, as paredes do internato me sufocavam e mesmo depois de 1 mês aqui isso nunca mudou -eu nunca me acostumaria a esse lugar-. 

         Sento-me perto da fonte no meio do jardim, toco na água fria que escorria de sua estrutura. Gostava daquele canto do jardim, me lembrava a floresta que tinha perto da minha casa em Springdale, onde eu passava a tarde lendo e colhendo flores para decorar o meu quarto -a paz que eu tinha lá, jamais terei aqui-. 

 – Acho que alguém deveria estar na cama, só acho.  – Meus pensamentos são interrompidos, e tomo um susto ao ver o Gabriel se aproximar. 

 – Se está querendo me matar de susto, parabéns! você quase conseguiu.  –  Ele dá um sorriso baixo antes de falar:  

  –  O  que está fazendo acordada essa hora? 

 – E você o que está  fazendo também?  – Falo ignorando a sua pergunta. 

 – Bom, trabalhando, hoje é meu turno.  Percebi que você vem aqui quase todas as madrugadas durante essas duas últimas semanas. Queria saber se está tudo bem.  – O Gabriel trabalha como segurança no instituto Carmem, tinha visto ele algumas vezes e trocado algumas palavras  como ''Bom dia'' e  ''Boa tarde'' e ouvi algumas meninas falarem seu nome. 

 –  Está sim,  – menti.  –  Só não consigo dormir direito. 

 – Os primeiros meses sempre são difíceis.  – Disse ele enquanto se sentava ao meu lado.  

–  Não para mim, eu nunca vou me acostumar aqui. 

–  Como veio parar nesse inferno?  – Gargalhei baixo. Olho para a pequena luz do poste a minha frente e observo o passarinho que pousa sobre ele. 

–  Eu não sei, quer dizer meu pai e minha madrasta acharam que seria de boa educação para mim. E também tem os meus problemas e... 

–  E?  – Observo como o pássaro não se assusta mesmo a gente estando tão perto, a ponta de suas asas tinha uma cor alaranjada, mas as suas penas tinha a cor de um azul fosco quase prata,  era pequeno e parecia está prestando atenção a nossa conversa. Eu nunca tinha visto ou ouvido falar de alguma espécie parecida, olhei atentamente a sua coloração que as poucos iam me deixando hipnótica. Imagens de uma mulher surge em minha mente, aquela mulher com quem eu sonhara muitas vezes estava ali, na minha frente, naquele momento. Ela veste uma túnica marrom, tem cabelos avermelhados, pele clara e seus olhos  são extremamente verdes. Ela estende a mão e faz um círculo com o seu indicador direito na minha fronte, meus olhos queimam, fecho-os.  Levo as mão ao rosto e sou tirada de transe quando Gabriel toca meu braço. 

–  Ei, está tudo bem? o que houve?

–  Eu preciso ir.  – falei enquanto tentava me levantar, estava um pouco zonza. Gabriel tenta me ajudar, mas recuso a sua aproximação.

 –  O que aconteceu com seus olhos?  – Ele perguntou assustado. 

 – O que têm eles?  

 – Eles meio que brilharam uma luz verde, e você estava paralisada parecia não me ouvir. 

 – Eu não sei, talvez você esteja vendo coisas, eu estava apenas pensando e... Você não deveria estar vigiando o colégio?  – Tentei argumentar e mudar de assunto, mas aquilo não fazia sentido algum. 

  – Sim, mas... 

 – Então vai  – Interrompo-o , viro de costas e vou em direção ao instituto. Ele pergunta meu nome, mas ele não precisava saber disso.

************ 

        Subo as escadas em direção ao meu quarto, ainda sem entender o que teria acontecido minutos atrás. Aquela mulher sempre aparecia nos meus sonhos, desde que comecei a ter esses pesadelos, mas o mais estranho foi ter se mostrado mesmo sem eu estar dormindo. Isso nunca aconteceu antes, mesmo com todos os meus problemas, eu agora teria de lidar com alucinações. Ótimo, nada poderia piorar mais a minha situação. 

       Entro no banheiro e me olho no espelho, meus cabelos castanhos estavam mais bagunçados do que nunca. Sempre pensei em cortá-los na altura dos ombros, mas não seria uma personalidade minha, gostava deles compridos. Observo minhas olheiras que se destacavam na minha pele branca, resultado de muitas noites sem dormir. Eu nunca tive uma boa relação com minha aparência, sempre me achei magra demais, baixa demais e esquisita demais. Todo o bullying que sofri na minha antiga escola, os comentários que faziam as outras pessoas rirem, mas que sempre me faziam chorar, foi um incomodo que tive que tentar lidar e ignorar durante meses - mas como se ignora algo que te afeta profundamente?-.

        Afasto os pensamentos e procuro na minha bolsa ao lado da pia meus remédios para ansiedade, não me sinto bem. Sinto falta de ar, meu coração está acelerado, não queria ter outra crise, não queria passar por tudo aquilo de novo, não aqui, não sozinha. Fica cada vez mais difícil respirar, minhas mãos estão tremendo. Começo a fazer o exercício que minha antiga psicóloga recomendara ''Respire fundo e solte o ar devagar ''  aquilo era uma piada eu não iria conseguir, começo a chorar. Eu estou sozinha, mesmo nas crises em que eu tinha meu pai por perto, eu me sentia sozinha e, agora mais do que nunca eu sei disso e terei que ser forte. Entre todo o meu desespero sento-me no chão do banheiro, tentando respirar calmamente. Observo minhas mãos suadas, sinto um leve queimar nelas como se aproximasse-as de uma chama. A minha mão direita reluzia uma pequena luz de uma cor verde esmeralda, como se  estivesse desenhando raízes de árvores . Os traços surgiam de minha palma subido até fechar meu pulso em um arco de luz verde. Olhei maravilhada com a delicadeza do desenho, aquele calor que sentia e que agora consumia todo o meu corpo, me trouxe tranquilidade. A luz se desfazia aos poucos a cada respiração mais tranquila, o desespero chegara ao fim, encostei a cabeça de lado na parede e adormeci ali mesmo. 



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⏰ Última atualização: May 02, 2021 ⏰

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