Capítulo único

62 6 126
                                    

Felipe P.O.V

Ele estava ali de novo, perdido por entre os protótipos de corredor que consegui formar com as mesas onde as flores ficavam expostas. Era sempre assim nas sextas-feiras, ele chegava, passeava em cada canto da floricultura, escolhia alguma coisa e depois ia embora. Todas as sextas, de todas as semanas, de todos os meses.

Era... Diferente. Nunca havia visto alguém comprar flores com tanta freqüência assim. E não me sentia íntimo para perguntar, então só podia deduzir que eram para alguém especial, sem saber realmente. Não que aquilo me tomasse tanto tempo quanto deveria, era apenas... Peculiar demais.

Mas, era bom também. E a pessoa a quem dedicava cada uma daquelas flores deveria se sentir especial, já que era lembrada com aquela freqüência. Ou poderia ainda ser para si mesmo, eu mesmo, para não fugir da culpa que essas palavras podem sugerir, nunca deixei de admitir que amo cada uma das flores que tenho comigo e já me presenteei várias vezes com alguns vasos.

Oh não, eu não sou solitário, tampouco tive um começo de vida traumático que refletiu nesse ato tão singelo. Eu apenas gosto muito de flores e viver rodeado por elas me da uma paz que nunca achei que fosse encontrar em nenhum canto desse mundo.

O grande motivo para ser florista. Gostava de estar ali conversando com elas quando podia, fazendo arranjos, embrulhando buquês. Flores podiam até parecer clichê, mas você nunca pode saber o que um buquê delas pode despertar nas pessoas, é íntimo demais o que cada uma delas exerce sobre nós, e como vamos nos sentir ao receber um presente como este.

Se tivesse alguém para dar buquês ou vasos de flores também o faria com a mesma freqüência que meu peculiar cliente, por minhas convicções e pensamentos sobre minhas queridas coloridas.

Com isso tenho certeza que imaginam como é meu apartamento. Não há flores e plantas em todos os lugares, mas eu me certifico de estar cercado por elas, já que sempre me foram uma bela companhia e gosto de estar em sua presença cultivando jardins ou decorando casas.

Ah sim, sou formado em paisagismo e fiz um curso de decoração. Mas as decisões que tomamos refletem muito sobre o que somos e eu acabei me decidindo por manter apenas uma floricultura, que sempre garantiu meu sustento e os luxos aos quais me dou.

Por exemplo, admirar certo cliente.

- A minha indecisão ainda vai me matar.

Disse-me quando me aproximei como sempre o fazia. Talvez fosse tão peculiar quanto o loiro a meu lado, já que sempre fazia tudo igual quando ele entrava ali, uma rotina um tanto estranha, já que compartilhada por dois desconhecidos.

- Desta vez está indeciso por qual?

- Camélias ou Margaridas.

Fitei-o por um instante. O terno preto bem passado, os cabelos loiros e longos estavam presos naquele rabo de cavalo costumeiro e ele tentava a todo custo colocar uma franja lateral teimosa atrás da orelha para que os fios não o incomodassem.

Era um fato único ver um provável empresário com um corte de cabelo como aquele. Talvez ele fosse o dono, o que o Porsche Cayenne Y estacionado em frente à floricultura fazia questão de afirmar. Não podia dizer e não queria realmente perguntar.

Ou talvez sim, mas minha tranqüilidade raramente era vencida pela curiosidade, e não perguntei o que não achei que deveria o que me instigava um pouco, já que sempre achei aquele homem peculiar demais. E minhas teses sobre ele sempre eram firmadas pela Cayenne do lado de fora que tanto chamava atenção das pessoas. O modelo era tão grande para alguém que tinha, talvez, um metro e sessenta de altura.

Sobre flores e sobrenomes difíceisOnde histórias criam vida. Descubra agora