Não há mais leões

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A tarde quente é comum na savana e ainda sim bastante incômoda. Dava na pele e nas penas a sensação de fadiga enquanto sumia com meu apetite. Pois bem, nem isso foi suficiente para me impedir de sair de encontro a minha presa predileta: um belo caracal adulto que teve a ótima ideia de dormir a vista de todos que próximos dele estavam, ou talvez eu deva dizer péssima ideia? Isso já não importa muito, bastou um simples rasante e o animal já estava em minhas garras me dando o prazer de me deliciar com a carne de um felino sem a menor dificuldade. Por falar em felinos, durante minha refeição tive minha atenção tomada por um evento magnífico do qual tive o prazer de tomar minha posição no galho mais alto para ter uma ótima vista do que ocorria. Assim pude ver com meus próprios olhos cinco leoas, todas elas se esgueirando pela areia e os arbustos altos do Campo de caça, preparadas para abater um jovem búfalo que havia se perdido de seu rebanho, elas eram Miriam, Zaah, Liriat, Minerva e sua Líder de caça; Oshandi, A Grande Caçadora dos Ventos.
"Vão pelo flanco, eu estarei pronta para o abate quando Zaah e Liriat acertarem a garganta". Esse foi o plano de Oshandi, uma bela tática eu diria, funcionou bem. Miriam e Minerva eram como duas serpentes silenciosas ao se movimentar sorrateiramente com suas barrigas quase grudadas ao chão, era de se reparar que aquilo tudo era como uma aula para Miriam, já que era a mais nova e parecia se manter um pouco mais distante e observadora. Todo o plano é executado de maneira excelente, e naquele instante a ação se intensificou começando pelo primeiro salto vindo de Minerva, agarrando a anca do búfalo, acompanhado logo em seguida por Miriam que escalou as costas do animal lhe cravando suas garras e dando poderosas mordidas . Zaah e Liriat partiam para o ataque tentando focar seu grande pescoço cheio de músculos enquanto realizavam fintas para evitar os ataques dos chifres e cascos que partiam do desespero da criatura. Logo o búfalo se distrai e seu pescoço é finalmente atingido pelas leoas, porém, o animal é forte e perseverante e aguentava os golpes e mordidas enquanto, aos poucos, conseguia tirar Miriam de suas costas e afastar Zaah e Liriat de seu pescoço. Foi quando Oshandi veio à tona trazendo seus grandes músculos para o abate, imbuída de ferocidade e uma velocidade incrível até mesmo para uma leoa, afinal, não era uma leoa qualquer. Ela saltou cerca de duas vezes a altura do búfalo, manteve suas patas dianteiras no ângulo de um mergulho para que suas garras atingissem suas costas junto ao impacto que a queda do seu corpo, quase duas vezes maior que um leão adulto, causaria. Um movimento rápido mas que houve tempo para que Miriam saísse de cima do animal para não ser atingida na queda. Bastou cerca de instantes e se ouvia um estalo estrondoso e o grito de agonia do búfalo que sofreu até a morte tendo todos os seus ossos quebrados e seu pescoço dilacerado em minutos sem a menor chance de revidar, uma gloriosa demonstração de poder da leoa mais forte da savana. "Podemos comer aqui?" . Perguntou Liriat, Oshandi nega e as ordena levar a carcaça até o bando, assim ficou por um tempo no local onde sua presa foi abatida e neste momento pude observa-la prestando respeito pelo indivíduo que ela mesmo havia matado, uma cena realmente bela.

Chegaram as jovens caçadoras carregando o almoço pesado para próximo do bando, e la estavam esperando mais 3 indivíduos; uma leoa chamada Ísis, seu primo Hélios e seu irmão o Grande Líder da Areia Vermelha, Rafael, um gigantesco leão do atlas, com um semblante que beira o divino e uma presença que emanava o calor do solo vermelho dos dias mais quentes. "Onde está sua Líder?". Perguntou Rafael, com sua voz intensa e intimidadora. "Ela mandou que viéssemos na frente". Respondeu Zaah, a leoa mais velha do bando, enquanto as outras apenas abaixavam a cabeça diante de Rafael. Todos estavam famintos e ansiosos para se deliciar com a carne fresca, mas recebem a ordem de esperar pela chegada de Oshandi, algo que irritou bastante o jovem leão Hélios. "Você não deve estar dizendo tal tolice de maneira séria, irmão. Já não basta vos esperar comer primeiro, ainda devemos esperar a sua 'fossa de sementes' enquanto a carne apodrece no calor?!". Disse entre rosnados, fixando seu olhar no mais velho que calmamente virou o rosto em sua direção arranhando uma trilha de areia no chão e parando na metade, isso era um comando de ataque sutil, as leoas, com exceção de Miriam e Ísis, entraram em modo de ataque de maneira quase instantânea, todas em volta do leão e preparadas para atacar assim que a trilha de areia fosse terminada. "Tu sabes, irmão, que posso lhe matar sem se quer tocar na sua pele. Eu espero, encarecidamente, que tais ofensas a minha amada, sua Líder, jamais sejam ditas novamente". Disse Rafael, com  seu semblante pesado e ao mesmo tempo calmo, sem se quer precisar rosnar ou exibir seus dentes. Hélios se quer abaixou sua cabeça, pelo contrário, deu um alto rosnado em resposta a atitude de seu irmão mostrando assim que não abaixaria a cabeça nem para ameaças. "Não me venha com ameaças! Você não é meu Líder, você é meu irmão e esse abismo não existe, nem comigo e nem com as leoas!". Retrucou Hélios, era visivel sua indignação e raiva diante de Rafael que nem se quer se importou com o protesto do mais novo. "Pois bem, se não quiser esperar, cace sua própria comida". Respondeu Rafael, bastante seco e direto. Hélios assim partiu bastante enfurecido e indignado, dando as costas a todos ali presentes enquanto rosnava durante sua saída. Pouco depois chegou Oshandi com um belo sorriso em seu rosto, dando trotes rápidos e realizando algumas peripécias pelas rochas que saltava. "Bom, cá estou eu. O que houve? ta todo mundo com cara de raiva, é meu cheiro?". Perguntou a leoa curiosa com a situação, mas logo teve sua resposta vindo dos deboches de Minerva. "Apenas mais uma tentiva frustrada de provar virilidade". Oshandi riu baixo e logo se puseram a comer, todos em ordem, primeiro os Líderes e depois as leoas e estranhamente logo após comerem Rafael demonstra preocupação, algo que Oshandi percebe rápido pois o conhecia desde filhote. "O que te enche a cabeça, meu amado?". Logo Rafael respondeu. "Você comeu mais do que de costume, este é o terceiro dia em que isso ocorre". Aquela resposta deixou a leoa confusa, além de achar uma falta de respeito notar como ela come. "Por favor, eu só estou com um pouco mais de fome. Sou tão grande quanto tu, preciso comer bastante!". Rafael soltou um suspiro forte que deu espaço para um sorriso bastante sutil e ligeiro, algo que era bastante raro de se ver. "Quais serão seus nomes?" por um breve momento Oshandi não havia entendido a pergunta de seu amado, até que finalmente sua mente ficou mais clara e pôde perceber do que se tratava, assim dando um exuberante sorriso e acariciando sua barriga com sua pata enorme.

Decidi me retirar daquele romance meloso de leões apaixonados, estava na hora de ver o que o jovem Hélios estava tramando, e para a minha sorte um pouco distante de seu bando estava ele na sua exaustiva caçada. Infelizmente a caçada das leoas espantou alguns rebanhos próximos então sua caminhada foi longa e vagarosa pelo sol quente da savana. Após muita caminhada, ainda em seu território pôde perceber pelo cheiro fétido junto com os sons agudos e estridentes que haviam hienas caçando pelo local, aquilo lhe encheu de fúria e rapidamente ele as encontrou logo liberando esturros exagerados na tentativa de espantar o pequeno grupo de dez machos que haviam acabado de abater um javali. Os jovens foram corajosos e bastante impertinentes em tentar se defender, corriam ao redor de Hélios o perturbando com risadas altas e rosnados, além de algumas tentativas de mordidas. mas aquilo só provocou mais fúria no impiedoso leão que com um forte golpe quebrou as costelas de um dos jovens, o derrubando ao chão e agarrando seu pesoço, sem matá-lo ainda. "Eu ordeno saiam! Este não é vosso território, e o que farei com ele, farei com cada um de vocês!". Gritou Hélios, sufocando com força o pescoço do jovem macho e fazendo assim com que todos se afastassem, ainda rindo e disparando algumas ameaças que mais me soaram como blefes, e pelo que possuo de experiência hienas costumam ir até o fim quando se trata de proteger sua caça, portanto, aquela ação em grupo me pareceu suspeita até demais mas não antes de poder prestar atenção no que as hienas tinham para dizer enquanto saiam. "Tu ta quebrando o tributo, filho da puta!".  Disse um escaramuça quase desdentado. "Vermes despreziveis". Disse Hélios no seu mais puro tom de desprezo, rapidamente quebrando o pescoço do jovem imobilizado e se alimentando se seu cadáver. Rapidamente me aprontei para seguir os machos que se retiraram, podendo assim ouvir o que estavando falando. "Cês tão ligado que a dona vai ficar um catiço quando nois contar desse role pra ela, né?". 
"E qual o caô? Nois conta e quem se fode é esses felpudinho arrombado".
"Não é bem por ai não, e se nois apanhar por num ter matado o leão? Nois era dez e ele um só".

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