O furto

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        Maria, apesar de seus poucos anos, pois não passava dos quatorze, tinha despertado aquele pensamento meses atrás. Não sabia de onde tinha surgido tal necessidade, mesmo porque não era imperiosa, não precisava daquilo para viver, mas, ao mesmo tempo, não era capaz de se desvencilhar.

        Certamente, se seus pais descobrissem, tudo iria acabar mal... Vinha de uma família abastada e muito puritana. Sua mãe, carola que era, não iria admitir: "Minha filha, com seus quatorze anos, depois de tantos ensinamentos, idas e vindas da igreja, sabedora do que é certo e errado..." Seu pai então, advogado renomado, conhecido por todos na pequena cidade iria ficar mal falado. "Será que posso por em risco a sua clientela?", questionava-se Maria toda vez que cogitava ultimar o seu intento...

        Ela, todavia, mantinha sua rotina. Depois de sair da aula, sentava-se no banco da praça, bem de frente à joalheria. Era o mais próximo que conseguia chegar e quedava-se parada, observando. Já tinha doze semanas naquela rotina e não chamava mais atenção. Era uma simples menina que ao sair da escola parava em um banco de praça para devorar um livro. "Melhor disfarce não há!", pensava contente.

        A vitrine cintilava de colares, pulseiras e brincos de ouro branco, amarelo, rosa. Havia pedras coloridas de todo tipo, rubis, ágatas, turquesas, cada uma mais bela que a outra e, especialmente, um pingente de turmalina com a mesma tonalidade dos olhos de Maria. Ela era encantada por aquela gema.

        Ao lado esquerdo estava a banca e no direito havia uma padaria antiga, onde seu bisavô materno trabalhara por longos anos, tendo alimentado sua família com seu suor, literalmente, já que o velho português transpirava em demasia, misturando e temperando a massa, à base de trigo, com o líquido que lhe escorria do rosto avermelhado. "Seria esse o segredo do sucesso do seu pão?", ria-se Maria, sempre que a imagem se formava em sua mente.

        O que diria o delegado? Talvez: — Foi um ato impensado da garota! Seus pais que lhe deram a melhor educação. "Certamente ele iria me atribuir toda a culpa!", desconfiou Maria. "Mas possuo toda essa responsabilidade? Tenho quatorze anos... Sou apenas uma adolescente, ou pré-adolescente, seja lá o que isso signifique...", divagou a garota.

        Não tinha deliberado o ato propositalmente. Não era fruto de um plano maligno. Não havia engendrado aquilo... Não era, como falava com soberba seu pai, ensinando os incultos, algo doloso... Quando muito teria culpa.

        "Será? E se fosse fruto da natureza, algo inato, uma necessidade?" Ninguém lhe havia explicado nada. Talvez os hormônios, como dizia sua tia Bela, que em nada fazia jus ao nome: — Essa menina está enorme, come feito gente! Devem ser os hormônios!

Ela queria descobrir os aromas, os sabores, os lugares, as pessoas... Tinha a necessidade de preencher as lacunas, compreender seus sentimentos, anseios e amealhar todo tipo de informação. Mas aquele desejo incontido de fazer algo proibido...

        "Mas proibido por quem? A quem é dado dizer o que é certo ou errado?", indagava-se frequentemente. O mundo de Maria estava cercado de regras, fossem as leis contidas nos códigos puídos da velha biblioteca de seu pai, ou os preceitos das inúmeras bíblias da mãe que se empilhavam nos dois criados-mudos ao lado de sua cama, que se não servissem de barreira para algum mal primordial, funcionariam como anteparos para ensurdecer-lhe ao ecoarem os roncos do marido.

        "Será que estou ficando ranzinza antes do tempo? Me pareço com a vovó Anastácia, reclamando do frio nos dias de chuva e do calor nos dias de sol? Não... Deve ser outra coisa..."

        A jovem não compreendia a origem de sua sofreguidão e, pior do que isso, a tamanha diferença entre ela e seus pais. Toda a criatividade, extroversão, alegria e ousadia não encontravam eco na amargura e inércia da mãe, ou na austeridade e alienação de seu pai.

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