João

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O ano era 1999, um ano para a virada do milênio e o ano a qual todos esperavam ser o fim de uma era e o estopim para o nascimento de outra. O otimismo desse ano era contagiante, afinal a virada de um século para outro é algo bem raro , mas o que estava prestes a acontecer era a virada de um milênio para outro e isso é algo ainda mais raro. Nesse clima de otimismo misturado com apreensão e incerteza ao que o futuro iria reservar para a humanidade, nasceu o João, dentre tantas outras milhões de crianças que nasceram naquele fatídico ano. João não era um garoto de muita sorte , nasceu em um país muito pobre e ainda por cima em uma de suas regiões mais pobres, e viria a morar na parte mais pobre da cidade, a qual estava a maternidade pela qual chegou ao mundo.

João era de uma família extremamente pobre , que vivia em uma casa improvisada erguida sobre estacas de madeiras na beirada de um rio, os seus pais não tinham praticamente nada a não ser o amor a qual nutriam por aquele pequeno e frágil bebê, no entanto, apesar de todas as chances serem contrárias , João cresceu e se tornou uma criança feliz, corria bastante pelas palafitas do rio a qual morava, e achava aquilo a melhor coisa do mundo, "não tinha nada melhor do que morar numa casa sobre um rio" ele pensava, poderia nadar quando quisesse e ainda poderia ir no barco do seu pai para ajudá-lo a pescar, seu pai ficava muito orgulhoso de um filho que ajudava a pôr a comida do dia na mesa e ele acabava se divertindo bastante no processo. Nessa época João era um garoto de sorriso fácil, apenas acordar e ver o rio da janela do seu quarto já era um bom motivo para a felicidade invadir o seu corpo, logo em seguida ele sempre quebrava seu jejum com pão acompanhado de ovo ou peixe frito e em seguida saia para dar início às suas travessuras a qual durava praticamente todo o dia, e no final do dia já cansado de tanto correr pelos sinuosos caminhos de madeira de sua pequena comunidade e nadar naquele rio de agua escura, ele sentava-se junto com os muitos garotos e garotas das redondezas e apreciava a chegada da noite, o céu estrelado era uma das coisas mais lindas que ele já viu , ele passava tanto tempo olhando para o céu que quando chegava em casa estava com seu pescoço dolorido e então após comer o que sobrasse do almoço para aliviar sua fome , ele ia dormir até acordar para um novo dia a qual tudo se iniciaria de novo.

Contudo com o passar do tempo, à medida que foi ficando mais velho, ele começou a perceber que o mundo fora do rio e de suas palafitas não era muito acolhedor. Na primeira vez que foi a um shopping , com a idade de 10 anos , percebeu que todas as pessoas do shopping e uns curiosos homens vestidos de paletós pretos olhavam e observavam ele e sua mãe, no início ele começou a gostar daquilo , João era um garoto que gostava de atenção e em um primeiro momento aquilo parecia ser algo de bom. Praticamente a única coisa que João e sua mãe foram fazer no shopping foi ver a decoração de natal e após muita insistência do pequeno e sorridente João ela comprou o sorvete que saía da máquina que ele tanto pediu.
Porém quando ele estava prestes a iniciar a degustação de seu desejado sorvete, os homens de paletó que tanto estavam olhando pra eles vieram agora em sua direção. Ele não entendia o porquê mas sua mãe o pegou pelo braço e começou a andar rápido em direção a saída , no entanto os homens de paletó foram mais rápidos e os alcançaram , grosseiramente pediram para eles os acompanharem até um determinado lugar já fora do shopping , chegando lá um dos homens começou a acusar a mãe de João de ter "pegado algo que não era dela" ela disse que não sabia do que eles estavam falando e então eles a espancaram e ao pobre garoto também , no final após praticamente revirar os dois , descobriram que eles não haviam roubado nada, os homens de paletó mandaram eles irem embora e que nunca mais voltassem aquele lugar pois "gente como eles não deveriam estar em lugares como aquele". Então nesse dia ao voltar para casa João já não era tão feliz quanto era a alguns anos atrás, nesse momento seu sorriso não havia sumido do seu rosto, porém vinha com mais dificuldade e não tinha a força que um dia teve. Ao chegar em casa ainda deu para aproveitar o restinho do dia para brincar com a molecada, e ao final do dia eles fizeram o mesmo ritual de observar a chegada da noite, no entanto, talvez por conta do seu traumático episódio de mais cedo no shopping, João não via mais tantas estrelas no céu quando o viu no dia anterior, a noite estava um pouco mais escura porém não era algo que iria tirar a felicidade daquele garoto com tanto amor pela vida.

O que vem do escuro. Where stories live. Discover now