Capítulo 4 - A Avozinha

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Não quero aborrecer os meus leitores com a narrativa da grande alegria que senti ao voltar a casa, nem com a descrição da minha felicidade enquanto lá estive, gozando esse pequeno período de descanso e de liberdade no meu querido lar, entre as criaturas que me estimavam e que eu amava com igual fervor. Não quero tão-pouco narrar a minha tristeza ao ter de dizer-lhes adeus mais uma vez.

Contudo voltei para o meu lugar com igual decisão para o trabalho — trabalho esse tão penoso que só pode ser avaliado por aqueles que já conheceram a infelicidade de ter a seu cargo, para cuidar e dirigir, uma porção de criaturas, turbulentas e rebeldes, para quem todas as observações e todos os esforços se tornam inúteis, sendo nós ao mesmo tempo responsáveis pelo seu procedimento, e não possuindo os meios de nos fazermos obedecer, pois toda a autoridade nos é negada por aqueles de quem isso depende, seja por indolência, seja por receio de desagradar às ditas criaturas.

Poucas situações haverá tão embaraçosas como aquelas em que desejamos agradar, e em que, ao mesmo tempo, nos é preciso cumprir um dever qualquer, sentindo que todos os nossos esforços estão a ser escarnecidos e inutilizados por aqueles que nos estão abaixo, e censurados e mal julgados por quem nos está superior.

E não enumerei nem metade das tendências aborrecidas dos meus alunos, nem contei metade dos incómodos que as minhas pesadíssimas responsabilidades me acarretavam, com receio de abusar demasiadamente da paciência do leitor, ainda que provavelmente isso já me tenha acontecido. Contudo o meu desejo, ao escrever as últimas páginas, não foi apenas desabafar, mas, antes, ser de alguma utilidade àqueles a quem estas coisas possam dizer respeito. Quanto aos outros a quem isto não interessa, sem dúvida já saltaram por cima e já amaldiçoaram a prolixidade do escritor. Basta-me, porém, que haja um ou outro pai que daqui retire qualquer ensinamento, ou que alguma infeliz precetora encontre nestas páginas um pequeno benefício, para que as dê por bem empregadas.

Para evitar confusões tomei até aqui os meus alunos um por um, e discuti-lhes as qualidades e os defeitos separadamente, mas isso não pode dar a mínima ideia do que era aturar os três ao mesmo tempo, quando resolviam, e era frequente, portarem-se todos mal para «arreliar Miss Grey».

Em tais ocasiões só pensava: «Se me vissem agora!» referindo-me aos meus; e só lembrar-me de quanto me lastimariam, fazia-me ter pena de mim mesma, e era-me difícil conter as lágrimas. Tinha até então sabido sempre conter-me, até ao momento em que os meus pequenos algozes desciam, para irem assistir à sobremesa dos pais, ou para se irem deitar (únicos momentos em que me deixavam em paz), e então, gozando das delícias da solidão, dava-me ao luxo de derramar rios de lágrimas. Raramente, porém, me permitia esta fraqueza. Os meus momentos de liberdade eram muito raros e por isso muito preciosos, para que dedicasse tempo a lamentações inúteis.

Recordo-me de uma tarde, particularmente desagradável e cheia de neve, isto em janeiro, pouco tempo depois de eu regressar. As crianças tinham todas vindo de jantar, e acabavam de declarar em conjunto que «tencionavam portar-se mal». Eu já me sentia rouca, e já tinha a garganta a doer-me à força de tentar, inutilmente, metê-las na ordem. Tom já estava de castigo ao canto, com ordem de não sair de lá sem acabar a tarefa que lhe tinha marcado. Entretanto Fanny apoderara-se do meu saco de trabalho, e despejava-o, cuspindo-lhe depois para dentro. Mandei-a estar quieta, sem nenhum resultado. Tom gritou-lhe então: «Deita-o para o lume». E ela apressou-se a obedecer. Precipitei-me para retirar o meu saco do fogo, e Tom logo correu para a porta, gritando ainda: «Mary Ann, deita a pasta dela pela janela fora». E a minha preciosa pasta, com todos os meus papéis, com todas as cartas da minha família e com todas as minhas economias e valores foi parar à varanda. Corri a apanhá-la, enquanto Tom saía do quarto, correndo pelas escadas abaixo, seguido por Fanny. Depois de apanhar a pasta corri atrás deles e Mary Ann seguiu-me. Escaparam-se-me os três e saíram de casa, indo para o jardim enterrar-se na neve, gritando e rindo muito contentes.

Agnes Grey (1847)Onde histórias criam vida. Descubra agora