Havia uma cortina translúcida pairando entre ela e a velha e familiar sala. Aquilo podia ser tanto um sonho quanto uma memória.
Anita esticou a mão, tocando o cortinado, os cabelos longos e escuros caindo por sua camisola. Não conseguia puxá-lo, apenas enxergar através do véu de névoa e luz pálida.
Do outro lado da cortina, ela se via criança de novo, aconchegada nas cobertas espalhadas pelo chão, aninhada às três irmãs mais velhas; Dulce, Lola e Isabel. As quatro meninas tinham os rostinhos virados para avó, sentada na poltrona. Os olhos das quatro brilhavam em expectativa, mesmo com o açoite da chuva que sacudia as vidraças, assaltava os telhados e assoprava seu hálito gelado pelas frestas das portas.
Era hora da história.
E abuela Pepita sempre contava as melhores histórias.
O fogo crepitava na lareira; um som que precipitava as palavras que ainda seriam proferidas.
— Qual vai ser a história de hoje, vovó? — Anita, impaciente, se remexeu entre as cobertas. — Vai ser sobre as fadas de dentes afiados?
— Vai ser sobre a bruxa do caldeirão?
— Ou sobre as criaturas que só aparecem à noite?
— Ou... Ou sobre as crianças que não devem atravessar a linha de flores escuras da floresta?
Ao ciciar do vento, abuela Pepita pegou sua xícara de chá e inspirou seu aroma. Ela só bebia o chá feito com as ervas que cultivava no jardim dos fundos. O fogo estalou e lançou luminosidade sobre seu rosto, um jorro de luz que fez as quatro meninas prenderem as respirações.
— Há uma história — ela começou, bebericando um gole do chá. — Mas não sei se crianças como vocês estão prontas para ouvi-la.
— Conta, conta! Eu sou corajosa! — Anita gritou, recebendo um olhar de reprovação de Dulce. Ela não se empertigou e mostrou a língua para a irmã.
— Também quero ouvir! — Isabel concordou, os olhos brilhando. — Sou corajosa como a Anita!
— Anita é mais nova do que nós — Dulce ralhou, cutucando o braço de Lola, como se quisesse apoio da segunda irmã. — Por lei e idade, nós somos mais corajosas do que ela.
Outra vez, Anita mostrou a língua para Dulce.
— Pois bem. — Abuela Pepita deixou a xícara de chá de lado. — Eu lhes contarei uma história sobre sombras mais escuras do que a noite.
As quatro meninas inclinaram os corpos para frente. Mal se ouvia suas respirações acima do fogo e da chuva.
— A história é sobre Verbius, um bruxo que profanou todas as leis da feitiçaria e foi expulso de todos os círculos mágicos. — Um trovão explodiu, fazendo as meninas pularem nas cobertas. — E enquanto escutam essa história, prestem muita atenção, pois o uivo do lobo é mais enganador e sedutor do que vocês podem imaginar.
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Feitiço da Noite | DEGUSTAÇÃO
ParanormalLIVRO EM DEGUSTAÇÃO. DISPONÍVEL NA AMAZON Espanha, século XVIII. Obedecendo ao desejo final de sua mãe, Miguel Gonzalez viu-se obrigado a deixar o vilarejo onde cresceu e entrar para o seminário. Anos mais tarde, prestes a fazer seus votos, ele rece...