Capítulo Único

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O termômetro do meu celular podia até estar marcando a temperatura de 25 graus, mas eu tinha certeza de que a sensação térmica era de no mínimo uns cinquenta. O calor seco do deserto do Bahrein entrava por cada poro do meu corpo enquanto eu acompanhava Charles na sua primeira sessão de treinos livres do GP daquele final de semana, assistindo tudo através dos monitores no box da equipe. Eu tinha aproveitado as primeiras semanas de março para poder acompanhá-lo naquela viagem, já que as minhas aulas da pós-graduação ainda não tinham começado, e durante o resto do ano seria mais difícil estar com ele por conta da faculdade e do estágio que eu iria começar.

Eu assistia o carro de Charles dar voltas e mais voltas na pista, e começava a me sentir um pouco tonta. Talvez fosse efeito do calor, ou talvez aquilo se devesse ao fato de eu ter passado mal mais cedo naquela manhã, logo depois de tomar café com Charles no hotel, possivelmente indicando mais uma das minhas rotineiras crises de gastrite nervosa. Não contei nada a ele para não alarmá-lo sem necessidade, afinal eu sabia melhor do que ninguém o quanto ele ficava tenso e ansioso nos dias que antecediam uma corrida. Charles e eu tínhamos nos conhecido durante o seu primeiro ano como piloto de uma equipe de ponta, agora ele já começava o quarto e, apesar de ter tido muito sucesso nesse tempo todo, conquistando a confiança de todos dentro da equipe, ainda assim Charles se cobrava em excesso e estava sempre em busca da perfeição, mesmo que aquilo fosse quase impossível. E se tinha uma coisa que aqueles anos de namoro tinham me ensinado era que Charles se enfiava em uma bolha de concentração e foco durante os dias em que estaria dentro do carro, e tudo que eu não queria fazer era tirá-lo daquela bolha por causa de um enjôo sem importância.

Naquela tarde de sexta-feira, o carro não estava desempenhando exatamente a sua melhor performance, e eu sabia que veria um Charles muito frustrado ao final da uma hora que durava o treino. Eu percebi que estava certa no minuto em que o carro entrou nos boxes, fazendo um barulho ensurdecedor que os fones de ouvido mal conseguiam abafar, e Charles saltou para fora, tirando o capacete e a balaclava com movimentos bruscos. Me mantive reclusa no meu canto enquanto o observava conversar com seu engenheiro, gesticulando freneticamente com as mãos, mas sem conseguir escutar direito o que eles diziam por causa dos muitos ruídos que os mecânicos faziam ao mexer no carro. Charles falava sem parar e com a expressão firme e concentrada de sempre, ouvindo cuidadosamente quando o engenheiro respondia e fitando atentamente o monitor para examinar os dados da sua atividade do dia. Ele desceu o zíper do macacão até a metade e tirou os braços de dentro do tecido grosso, deixando as mangas caírem desajeitadamente ao lado do corpo. Eu o via esfregar o rosto com as mãos constantemente, passando-as também pelos cabelos e deixando-os mais bagunçados do que já estavam, sem conseguir parar de se mexer nem um minuto, apesar de seus olhos estarem fixos.

Eu adorava ficar distante e apenas admirar Charles trabalhando. Seu foco e determinação eram duas das características que eu mais adorava nele, e vê-lo fazer análises e estudar informações era tão prazeroso quanto assisti-lo nas pistas. Meu peito se enchia de orgulho toda vez que eu me dava conta do profissional incrível que ele era, e fazia eu me apaixonar ainda mais por aquele garoto que sabia ser tão maduro mas também tão doce e adorável. Eu observava seus olhos verdes encararem atentamente a pessoa que falava com ele, os músculos do seu rosto tensionarem enquanto ele lia gráficos e tabelas, e as vezes em que ele mordia o lábio ou roía as unhas no meio de uma frase. Essa última mania dele eu odiava, mas não conseguia fazê-lo parar.

Passado um tempo de muitas observações e conversas com o engenheiro e alguns mecânicos, Charles adentrou mais os boxes, só então pousando os olhos no canto onde eu tinha me refugiado.

Amore, eu não tinha te visto aqui – ele exclamou, abrindo um meio sorriso ao caminhar até mim, e eu me levantei do banco onde estivera sentada e abri os braços.

𝚠𝚎'𝚕𝚕 𝚋𝚎 𝚏𝚒𝚗𝚎 || ᴄʜᴀʀʟᴇs ʟᴇᴄʟᴇʀᴄOnde histórias criam vida. Descubra agora