Hope estava mais uma vez sentada no chão da sala de ensaio, olhando para o próprio reflexo no espelho que ia do chão ao teto. A música ecoava, suave, pelo espaço, mas não poderia dizer que ela estava realmente prestando atenção. Apesar de ainda ter mais uma hora de ensaio pela frente, seus pensamentos voavam para sua infância. Conseguia visualizar de forma clara uma menina desengonçada bailando pela sala com uma música que só existia em sua cabeça, enquanto era assistida pelos pais, todos alegres nesse cenário que há anos não se repetia. Ela sentia falta disso, da euforia ao dançar, o formigamento e a aceleração no coração quando a música tocava.
— A dança é só um fardo agora — pensou em voz alta quando se deu conta de que não sentia mais prazer ao dançar. Entretanto, ela tinha uma apresentação dali um mês, por isso levantou, focou na música e dançou os mesmos movimentos repetidas vezes pela próxima uma hora.
Já estava escuro, como de costume, quando Hope saiu do estúdio de dança e se dirigiu para casa. Era um caminho curto que fazia a pé, sempre com fones de ouvido tocando músicas clássicas, não suportava batidas fortes e músicas barulhentas.
Era sempre a mesma rotina desde que ela tinha chegado em Seoul aos 20 anos. No começo era tudo perfeito, cada detalhe a fascinava. Agora os prédios não chamavam sua atenção, os carros passando na rua não a assustava mais. Cinco anos depois de ter saído de sua cidade natal no interior da coreia, ela já sentia fazer parte de Seoul, mas ainda sentia saudades de casa.
Hope abriu a porta e foi recebida com carinho pelo seu gato, Haru, que vinha todo manhoso sentindo saudades da dona. Como sempre, Hope não poderia resistir tanta fofura e mesmo cansada de um dia de ensaios pesados, optou por dar atenção ao pet manhoso.
Horas depois, Hope já havia tomado banho e estava enfim deitada na cama. Pegou seu celular na mesinha de cabeceira e discou o número de sua mãe, como um ritual que ela fazia sempre que tinha um dia difícil. Não demorou muito para sua mãe atender.
— Mamãe? — Chamou quando não ouviu de imediato a voz alta da mãe do outro lado da linha.
Hooyeon, mãe da Hope, era uma mulher escandalosa, no bom sentido. Muito alegre, do tipo que não cala a boca e fala alto, sempre muito simpática e amiga da vizinhança. Por isso era de se estranhar que não tenha recebido a ligação da filha com gritos de animação.
— Oh! Minha querida, como está? — Por fim respondeu com a voz baixa.
— Te acordei? Está com uma voz sonolenta. Posso ligar novamente amanhã se preferir. — Apesar das palavras ditas, Hope não queria desligar a ligação, só queria ouvir um pouco a voz de sua mãe, talvez os pensamentos nebulosos se dissipassem um pouco, porém não queria atrapalha-la.
— Deixe de bobagem, minha querida, sabe que pode me ligar a qualquer momento. — A senhora conhecia bem sua filha. Uma ligação tarde da noite só podia significar um momento ruim. — Está se sentindo bem? — Perguntou na esperança que sua filha respondesse com sinceridade, apesar de não ter muita fé que ela diria algo. As ligações estavam mais frequentes nos últimos tempos e a Senhora estava muito preocupada, mas como conhecia sua filha, sabia que não poderia forçar uma confissão, então esperava pacientemente o momento que ela se abriria com a mãe.
A bailaria tinha um relacionamento muito bom com sua mãe, e sabia que podia compartilhar qualquer coisa com a senhora, entretanto não queria conversas pesadas, por isso respondeu que estava tudo bem e trocou de assunto. As duas conversaram por mais alguns minutos sobre banalidades para matar a saudade, até Hope cair no sono, afinal tinha muita coisa pra fazer no dia seguinte.
Era apenas 7 horas da manhã em Seoul, era uma cidade linda, mesmo depois de anos, Hope ainda gostava de observar o fluxo da cidade totalmente acordada, com muitas pessoas indo e vindo, todos distraídos com seus próprios problemas e destinos.
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Black Swan
Historia CortaUma bailarina perdida, um estúdio de música sem isolamento acústico e um musico curioso. Black Swan é um conto leve sobre duas pessoas e seu amor pela arte, e o momento que o amor pela mesma está por um fio.