Annabeth ajeitou sua túnica vermelha enquanto esperava na fila, era a última das sete primas e estava começando a ficar ansiosa. Até aquele dia nunca tinha visto uma pessoa morta. Por puro azar havia encontrado o corpo sem vida da avó adotiva naquele dia mais cedo, um susto tão grande ainda lhe acelerava o coração. Lembrava com nitidez a sensação de ter chego na casa para a sua visita semanal, que era revezada com as primas. Elas ajudavam a manter o sítio no qual a matriarca da família morava, cuidavam das plantas e dos animais e, também preparavam e serviam suas refeições, a preferida era o café forte e sem açúcar que sempre tomava nos fins de tarde e, que Annabeth sempre recusava educadamente, pois odiava o gosto da bebida.
Naquela manhã Anna parou de supetão depois de fazer a curva da escada que levava à sala de tevê na parte superior do chalé da avó. A vista foi aterrorizante. O coração deixou escapar algumas batidas e um calor subiu-lhe às costas, tomando o corpo em um suor repentino e transformando o estômago em um embrulho amassado de sentimentos. Sempre tivera medo, quase inconsciente, de Morgan, mas naquele momento em que os olhos leitosos da velha encararam o vazio atravessando-a ela pode finalmente sucumbir ao temor que se formava a anos dentro de seu ser. De repente, tudo naquela casa resolveu fazer barulhos assombrosos, como se os sentidos de Annabeth tivessem se ampliando mil por cento. Sentiu uma ardência entre o nariz e os olhos, e logo as lágrimas despontaram sem nenhum tipo de controle. Ainda estava parada a metros do corpo, quando ouviu barulhos vindos da parte de baixo da casa. Não havia lhe passado a ideia de que a morte da avó tivesse sido nada mais do que algo natural, afinal já passava dos oitenta anos de idade. Quanto mais o barulho se aproximava da escada mais Anna temia por sua segurança também, Afinal, na sua lógica, se já havia um corpo, mais um não faria muita diferença. Forçou as penas a obedecerem o instinto de sobrevivência e se escondeu atrás da prateleira cheia de livros antigos que fediam a mofo. O barulho só aumentava, como algo se arrastando rapidamente pela escada. Prendeu a respiração em suspense, sem saber o que faria se esse fosse realmente seu momento final na Terra.
Tocou a testa incrédula quando o cachorro da avó, Salem, um vira-lata preto que começava a ficar com o focinho branco se revelou no fim da escada. Com todo o desespero de ter encontrado um cadáver a encarando tinha esquecido da existência do companheiro canino de Morgan. Ele se aproximou e lambeu a mão da dona deitada no sofá. Nada. Anna já sabia que ela estava morta, mas foi reconfortante que não tivesse que se certificar por conta própria, confiou na falta de resposta do corpo e no alívio que Salem a forneceu para finalmente se mover e ligar para a tia Celia, sua mãe adotiva.
Celia pareceu indiferente à informação de que sua mãe havia falecido, foi breve na ligação e assim que desligou começou os preparativos para o ritual que agora se desenrolava. Annabeth nunca tinha participado de um enterro, muito menos de uma celebração fúnebre pagã. A única outra vez em que foi permitida sua participação em um ritual da família foi a cerca de um ano, um pouco depois de ser adotada pelos Ecatté, em sua primeira floração e, de um modo muito peculiar, sentia que aquela foi sua verdadeira entrada para a família, até aquele ponto nunca se sentiu tão em casa. No dia do ocorrido ensaiou diversas vezes como contaria a tia Celia que havia manchado os lençóis. Estava envergonhada, com doze anos sabia o que era a menstruação, mas não sabia muito bem qual seria o próximo passo, precisava de mais instruções sobre o assunto. Esperou uma bronca pela sujeira não intencional que se instalava em sua cama, mas ao invés disso, a mãe adotiva abriu um largo sorriso de compreensão e confidenciou que chegara a hora de contar-lhe o segredo da família. Pediu para que tomasse um banho com leite e flores. Foi um dos melhores momentos de sua vida, finalmente ela ia pertencer à algo, teria um papel na família.
Naquela noite amarraram uma fita em seus olhos e a acompanharam pela trilha que saía atrás da casa. Ela conseguia sentir o calor e o cheiro de madeira queimando. Um leve cântico soava na procissão e fazia os pelos em seu braço se arrepiarem levemente. Quando finalmente chegaram na clareira e tudo lhe foi revelado, se viu ao redor de várias mulheres de todas as idades, formas e jeitos, todas tinham o título de tias ou primas. Uma chamou sua atenção em especial, a anciã, que com apenas um levantar de dedo cessou todo o alvoroço pré cerimônia chamando a atenção para si. Era uma mulher de estatura mediana e de longos cabelos brancos, o rosto era sulcado de rugas, mas ainda era bonita de uma maneira régia. E os olhos. Os olhos de Morgan eram de um azul tão vívido que poderiam ser de uma criança. Aquela foi a primeira vez que Anna a viu, enquanto ela conduzia sua iniciação no coven das Ecatté. Uma longa cerimônia de danças à luz da lua cheia seguiu, depois serviu uma taça de líquido preto e viscoso para a recém chegada neta, desenhou um sinal abstrato em sua testa e mandou repetir a frase "A mãe sempre volta" três vezes e assim estava selada a participação de Annabeth dentro da seita secreta da família.

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A mãe sempre volta
Historia CortaUm conto curto de terror envolvendo um Coven e a jovem Annabeth, que acabou de ser iniciada no mundo da bruxaria.