Your street, your change

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Tzuyu se precipitava entre o mar de pessoas que ocupava as ruas coreanas. A bicicleta noviça e alaranjada dava voltas e desviava dos empecilhos, assim como sua cabeça fazia. Parecia tentar entender se era real... se aquele encontro não teria sido mais um de seus delírios durante a madrugada calorosa.

O freio soou como um despertador para a garota, emboscou-se pelas escadas do prédio e logo ouvia protestos de seus companheiros do lado oposto da porta branca. O número 341 reluziu indicando o cansaço de presenciar os barulhos joviais. Estava cansada das lamurias tolas, Tzuyu também.

—Ela disse que não vai. —Resmungou a loira ajeitando a pequena coberta. Chaeyoung parecia se perder entre a televisão e a realidade, como se ambas colidissem a cada suspiro seu no sofá roxo desbotado. —O artigo... ela precisa entregar.

O sapato verde claro adentrou tímido, não queria atenção: deseja seguir com seus laços até o quarto amarelado, lugar que iria processar todo seu dia, mas ele parou. Precisava ouvir, ou pelo menos sentir algo ali além da conversa rasa ao telefone ou do chão amadeirado.

—Chae... eu a vi.—A voz trêmula expressou mais que o receio da chegada, era uma espécie de euforia reservada adequada para sua interlocutora. — A Sana...

...a alma dela ainda é como uma cerejeira.

A mais velha hesitou. Com o rosto apático, deixo de lado o desejo da comunicação, falaria outrora, ou pelo menos repassou isso, todavia nenhuma palavra foi trocada mais. Chaeyoung olhava insegura para Tzuyu, ainda parada sob o conjunto de incertezas que banharam-lhe na volta. A primeira estava perdida em resquícios de horas mais cedo.

—Eu também a vi.

—Onde?

—Ela veio até aqui.

A garota queria se encolher o suficiente para transpassar pela porta, fingir que não havia perguntado ou vivenciado, mas continuou ali, parada à espera de algo animador, entretanto... o que havia? Sana tivera aqui... não por ela.

—Que bom que a viu! Devia sentir saudades, certo? Nos encontramos bem sutilmente... não houveram grandes comoções. —Fingiu estar ali, mistificou que não havia se abalado enquanto marchava para seu refúgio, surgiu até um sorriso simplista que ocultava o sentimento. Sua mão adornava a maçaneta quando foi impedida por uma voz terna e quase triste da outra.

—Ela perguntou de você... com aquele sorriso, Tzu. Queria saber onde estava, como passara, se ainda escrevia ou estava na floricultura. —Soou triste, melancólica e verdadeira. Chou não esconderia isso da jornalista, não mentiria... de novo.

—Que bom... —Foi então o sussurro grato, de muitos anos em oculto, esperando que enfim a desconfiança a abandonassem, só que relacionamentos não são manipuláveis como massinha de modelar.

Aquilo mais aparentava uma xícara rosada quebrada em um deslize no café matinal: não tiveram a intenção, evitaram e tomaram cuidado, regando de temperaturas e falas certas... mas quebrou. Não houve uma liga para concerto; beber algo ali incomodava, mas era preciso, necessário.

A tarde se passou sem mais falas, cada qual em seu mundo interior repleto de auto questionamentos e lembranças de um tempo passado... intocado, até agora.

Tzuyu batucava os dedos em sua própria cabeça, como se aquele gesto fosse provocar maior fluidez de ideias ou tranquilidade em seu coração. Esperava que cada dedilhado surgisse um encadeamento de ideias. Nada.

Lápis rolava pela madeira envernizada, desistiu. Carregou a trouxa de realidades até a beirada da janela, observando o silêncio das 23:47 da noite. Afastou o vidro e conseguiu sentir a brisa fresca e acolhedora em sua face. Sentia que lhe passava alguma certeza, ou talvez a garota queria isso.

—Se as estrelas pudessem me ouvir, eu gritaria que ainda amo você.

Mas ela gritou. Gritou ao nada sentido tudo. Gritou sem o receio dos sentimentos, da escuta ou da timidez. Tzuyu podia jurar que naquela noite o universo gritou de volta. Sana estava ali, com a face rosada, apoiada entre suspiros, na calçada seguinte.

—O sol cessará... —Sussurrou ainda recuperando o fôlego após a descida apressada e eufórica.

—...mas eu permanecerei ao seu lado. —Sussurrou levando os dedos mornos. Dedilhou a bochecha da outra como se tocasse uma arpa frágil, delicada e única. —Queria ter permanecido aqui... nunca foi o objetivo aquilo.

Aquilo. O franzir de sobrancelhas da mais nova indicou a confusão, mas logo dissipou dando lugar a compreensão. Aquilo eram as duas: Sana e Chaeyoung juntas pouco antes da primeira ir embora. Algo aconteceu, foi o deslize, a xícara e o necessário. Tzuyu nunca soube exatamente o que se passou, mas ela viu. Viu e sentiu com as próprias órbitas os sorrisos recíprocos, os toques delicados e um beijo terno. Elas se gostavam.

—Sana... amar nunca é errado. Nem mesmo eu errei em te amar. —Confessou desejando que não tivesse escutado sua súplica ao céu estrelado. Sana ouviu? Sim, era o motivo do peito palpitante. —Você a amou? Sorriu com sua chegada e se entristeceu com a partida?

A moça não respondeu. A sua língua se enrolou entre a verdade dolorosa e as mentiras que imaginava precisar para se livrar das questões que a atormentavam. Tzuyu sabia desde sempre. Nunca foi preciso.

No banco amadeirado do parque se olhavam, como se nunca mais pudessem admirar uma a outra, não daquela forma, naquela profundidade... Ali, no lugar sóbrio e sem graça, acharam a verdadeira primavera nos olhos uma da outra. Era uma luz? Ou apenas delírios causados pela madrugada frívola que agora açoitavas-lhe a pele com palavras tão negativas quanto o clima?

Desistiram do frio, da madrugada ao nada. Subiram as escadas do prédio e os degraus da inconsequência quando  arrastaram-se pelo cômodo escuro que era a sala.

Ninguém as viu. Ninguém as sentiu. Ninguém as quiseram. Porque ninguém entendia o que sentia, se sentiam.

—Quero segura sua mão essa noite, Yu.

Sana segurou a mão de Tzuyu naquela noite, emaranhou-se nos lençóis verde água da outra enquanto sua própria alma repousava entre as carícias dedicadas à sua pele alva. A jornalista amava como causava arrepios na outra, os sons sussurrados que fazia quando roçava os lábios em sua nuca, entre os seios ou no interior de sua coxa.

As mãos da japonesa adornaram os fios negros da outra enquanto se perdia na imensidão dos olhos alheios. Aqueles olhos que brilhavam, acompanhava, exploravam a alma alheia, a boca delicada, o beijo molhado.

Sana era de Tzuyu naquela noite aquecida pelo toque... pelo amor. E Tzuyu? Ainda se perde nos fios rosados banhados pela luz amarelada do poste, que espiava por uma fresta na janela o ato mais belo e puro das duas.

O único.

Ali fora o primeiro passo, o primeiro grito sussurrado que dedilharam a alma uma da outra, seja em uma primavera de sentimentos ou em um inverno russo e mascarado.

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⏰ Última atualização: Apr 26, 2022 ⏰

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