I

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– Não pode fazer isso comigo! – Ela gritou, fora de si. – Não pode fazer isso!

A mulher se inclinava sobre a mesa de mogno, as mãos tateavam pela superfície para encontrar qualquer objeto pesado o suficiente para fazer estrago ao ser arremessado longe. O escritório significava tudo para o senhor daquela casa, a escuridão do cômodo, presente em toda a residência, era pacífica ali, um esconderijo. John viu quando ela alcançou seu peso de papel preferido, uma esfera de quartzo verde do tamanho de uma bola de golfe.

Inclinou o corpo ligeiramente para a direita, desviando do objeto que veio certeiro em seu rosto. A bola lapidada bateu contra o quadro atrás de si, lascando os relevos da moldura em carvalho, depois caiu no chão, em um baque profundo. O quartzo rolou até colidir contra seu sapato, subiu os olhos obscuros para a mulher, parecia inumana presa àquela ferocidade doentia.

– Está decidido, Bethany. Sinto muito se a minha escolha a desagrada. – Não havia sinceridade em suas palavras, muito menos preocupação genuína com seus sentimentos, sequer era capaz de recordar o dia em que teve qualquer estima por aquela mulher. Sua esposa, na saúde e na doença. – E esse comportamento não mudará as coisas.

Os olhos amargurados de Bethany demonstravam com facilidade o tamanho de seu completo pavor. A feição piorava muito quando se desesperava, era como se os cabelos louros e lambidos para trás, puxados em um coque firme e ínfimo, conseguissem tornar seu rosto ainda mais esticado e esquálido.

– Você faz de tudo para acabar com a minha vida! – Ela gritou mais uma vez, insatisfeita. – Finge minha inexistência nesse lugar miserável. – Pegou um dos copos em cima da mesa, ainda com um dedo de conhaque. – Não se importa comigo! Perdi meu filho por sua culpa, sua culpa! – E jogou o copo longe, fazendo-o estilhaçar contra as paredes revestidas, brilhavam até mesmo na penumbra.

Não deveria ter procurado atiçá-la de propósito com aquela questão, John fechou os olhos por um breve segundo e inspirou profundamente. Qualquer que fosse a discussão que tinham, os argumentos da mulher sempre acabavam naquele mesmo ponto, cuspindo em sua cara sobre o aborto espontâneo que sofrera. A acusação era feita de forma tão insensível que John estranhava – tanto que parou de se importar após a décima vez que ouviu aquilo ser dito por ela.

Diante seu recente descontrole, nada poderia dizer para acalmá-la. Fingia sua inexistência e não se importava com ela, duas verdades inquestionáveis. Quanto a fazer de tudo para acabar com sua vida e ter sido a causa da perda do filho, já era de se questionar, mas não perdia mais tempo discutindo sobre assuntos que não o levariam a lugar algum.

A mulher começou a chorar uma lamúria baixa e lenta, parecendo um espírito condenado – era a prova que Bethany estava realmente desesperada, independentemente de sua dissimulação e desequilíbrio dramático. Ela levou as mãos ao rosto e sussurrou para si mesma, se perguntando se existia qualquer razão intrínseca permeando aquela notícia horrorosa. "É o que Deus, quer? Devo realmente aceitá-la em minha casa, Senhor? Essa é a Sua vontade?". Afastou-se da mesa para se recolher perto da murada da janela, em um primeiro momento, John achou que ela se jogaria, mas então a viu ajoelhar no estofado para lamentar.

Após acompanhá-la com os olhos e perceber que rezava fervorosamente, John achou que a odiava um pouco mais. Detestava aquela mulher com tanto ardor que mal conseguia viver em paz sabendo que eram casados. Pagava diariamente por sua ganância e lascívia, dificilmente algo o tiraria daquela existência infeliz. Aceitou casar-se com Bethany por dois motivos ruins, mas um deles foi decisivo para acabar com toda sua perspectiva de vida.

A família inteira de John morrera em um naufrágio destinado às Américas, o transatlântico foi atingido por um tornado em mar aberto. O único sobrevivente da família Windsor só não estava agonizando com água salgada dentro dos pulmões porque seu pai o castigou, proibindo que os acompanhassem naquela viagem, os comportamentos imorais e libertinos do filho mais novo causava mal-estar na família, manchando seu renome perante a socialite.

Perder a família inteira de uma só vez nunca deixou de ser um tormento em sua vida, mas passou a se martirizar com mais profundidade após conseguir a herança que tinha por direito. No testamento, seu pai fez questão de colocar um empecilho para John, exigindo que ele se casasse em no máximo um ano. Após o matrimônio, a fortuna da família cairia inteira em suas mãos; caso não se casasse, dois terços da herança seria doada para Glenside Hospital, fundado por um amigo íntimo do falecido senhor Windsor.

Vinte e nove anos de vida não foram o suficiente para que John conseguisse se apaixonar, quem dirá conseguir tamanho feito em doze meses.

Bethany Weber vivia perseguindo-o com suas investidas sedutoras, acontecia desde que eram adolescentes. Nunca gostou dela, sequer a achava atraente. Tinha horror pela falsa adoração religiosa que aquela mulher se enfiava e a achava extremamente insuportável e hostil. Porém, era a única que se casaria com ele sem que precisasse fazer esforço e resolveu que pensaria muito bem no assunto, aquilo demandava inteligência.

Antes que pudesse tomar a decisão, a mulher apareceu dizendo que estava grávida dele, formulando histórias não tão convincentes sobre o dia que o Windsor organizou um banquete em seu casarão. Sabia que havia bebido o suficiente para desmaiar e que não lembrava de metade do que acontecera, mas em sua percepção, nem mesmo após um dia inteiro fumando ópio misturado com pastilhas de cocaína o faria ser capaz de cometer tamanho deslize. Não se lembrava das anáguas de Bethany, nem lampejos de consciência que envolvessem beijos ou flertes, mas ela disse ao pai que estava esperando um filho seu e o assunto teve de acabar aí.

Precisava de uma mulher para liberar a herança e no fim acabou arranjando até mesmo um herdeiro. Tornou-se ainda mais infeliz, não queria filhos, não com Bethany. E se refletisse sobre o período da gravidez, perceberia que não movera um dedo para dar-lhe qualquer atenção ou carinho satisfatórios, não tentou esforçar-se para ser um bom marido e quando ela perdeu o filho no meio da noite, em meio a gritos de desespero, John correu até o quarto dela para notar que não escorrera sequer uma lágrima daqueles olhos.

Sequer uma. E mesmo assim ela apontava o dedo em seu rosto para culpá-lo daquela morte.

Bethany Windsor. Ele odiava até mesmo a forma que seu sobrenome cabia nela. Ajeitou os cabelos negros para trás em frente ao grande espelho vertical que jazia apoiado em uma das paredes, estavam perfeitamente penteados, nada rebeldes, como o costume. Ignorou o drama da esposa, que continuava murmurando preces, e passou pela porta, deixando o cômodo.

– Não se preocupe em relação ao jantar ou com as acomodações, deixei os empregados à par para que tudo esteja pronto até às oito – avisou, mas seu coração era mole e não se sentiu bem ao ouvir o suspiro sofrido que ela deu, por isso voltou alguns passos para dizer-lhe: – Fique calma, Bethany. Tudo ficará bem.

Batucou com os dedos na moldura do espelho, querendo compartilhar um pouco do sentimento que ele mesmo carregava.

– Ela está sozinha, precisa de nós – disse, soturno – Se engana se acha que estou em plena felicidade em recebê-la, imagine os sofrimentos que essa menina viveu? Comendo o pão que o Diabo amassou.

– Não fale esse nome. – Ela mandou, sem olhá-lo.

Quis citar o Diabo mais uma vez, para provocá-la, mas conteve-se.

– Não acha que ela merece uma chance de felicidade? Não é egoísmo querer todo o meu dinheiro para você, quando podemos ajudar alguém? – recitou as perguntas mentirosas, John experimentava do inferno que se enfiou justamente por querer cada centavo de todo o dinheiro que pudesse encostar as mãos.

Finalmente foi embora, decidindo que teria sido bem melhor se já tivesse o feito, sua permanência apenas fez piorar o choro e as preces. 

O Cruel Destino de Megan Bourgh [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora