"...A luz vermelha liga para dizer que é hora de começar, eu vejo o homem esperando perto do canto, ele consegue me ver? Eu fecho os olhos e espero para ouvir o som de alguém gritando aqui..."NO MORE TEARS - Ozzy Osbourne
Estava quente, úmido e escuro até uma forte luz atingir seus olhos, mas antes que o cheiro de sangue e a dor em seu maxilar dois dentes mais leve o trouxesse de volta da sensação segura de um útero e aquela figura ocultada pelas sombras do galpão se aproximasse da lâmpada revelando o que há sob a silhueta, Jonas já sabia de duas coisas com certeza, ele estava enrascado e esta era a sua última noite.
- Deixe-me adivinhar, você é o policial bonzinho.
- Para seu azar, não... Eu odeio polícia. - Um homem de sotaque carregado, paraibano, vestia um terno barato cor de vinho, seus curtos cabelos tinham um castanho que já estava perdendo o brilho, uma feição séria acompanhava os olhos negros como noite sem lua. Era um cão raivoso em pele de um homem frio de 40 anos.
- Então quem é você? - Jonas se ajeita como pode sentado ao chão de mãos amarradas, mas logo é surpreendido por um soco, o peso do golpe fez sentir seu corpo amolecer, parecia um atropelamento, achou que iria desmaiar, o galpão girava a seu redor, mas aquela voz novamente o trouxe de volta a realidade.
- Sexta-feira, dia 12 de outubro... Te diz alguma coisa? - Pergunta o homem.
- Dia das crianças? - Retruca Jonas, tinha que ganhar tempo e pensar numa saída, como sempre faz, mas apenas conseguiu outro soco como resposta, desta vez no estômago, fazendo-o vomitar. O homem pega um lenço e, após limpar a boca de Jonas, pergunta novamente:
- Sexta-feira, dia 12 de outubro... Abra o bico logo, rapaz, vai ser melhor para você. - Não sabia que era tão gentil. - Jonas se ajeita novamente no chão enquanto tenta esconder as mãos tentando cortar a corda com o canivete.
- Sempre tento manter a dignidade do infeliz, é meu diferencial como profissional.
- Profissional, é? E quem te contratou?
- Você parece um rapaz sabido, já deve fazer uma ideia. Trate de andar logo que este serviço eu não estou cobrando por hora. - O homem anda até a lâmpada que estava baixa, era claramente uma instalação mal feita e temporária, segurou-a pelo bocal e conduziu a iluminação para uma das paredes.
- Você tem duas escolhas, garoto, você banca o sabido pra cima de mim e me obriga a usar a serra, o martelo e o alicate, só avisando que a serra não está muito boa, ou você me conta tudo o que eles querem saber e eu uso apenas o meu trinta e oito, minha mira é boa e você não vai sentir nada. - O assassino mostra seu trinta e oito prateado, refletia a luz amarelada da lâmpada bem como o sorriso orgulhosos de seu dono, Jonas via a mão segurando com tanta habilidade e afinidade que aquilo era mais que um instrumento de morte, era a sua amante, ele olha para seu algoz e sua postura animada, divertindo-se com o trabalho...,"A morte é sua amante", pensa Jonas, "A arma é a aliança!", a corda se rompe do pulso.
- O senhor se esqueceu da opção três, você em solta, esquece a serra, o martelo e o alicate, guarda o revolver no bolso e a gente racha o prêmio meio a meio, com certeza deve ser dez vezes o que estão de pagando. - Jonas apertava seu canivete, nunca havia pensado em tirar uma vida, nunca precisou, mas nunca foi tolo e sabia que enquanto jogasse esse jogo chegaria o dia que teria que escolher entre a sua vida e a de outra pessoa. "O dia finalmente chegou...", pensou torcendo para que o homem aceitasse a proposta e lhe poupasse desse impasse, pensou enquanto apertava o cabo do canivete e mirava na jugular... Pensou e Luiza e na promessa de nunca abandoná-la.
O homem escuta a proposta e começa a rir, uma risada condescendente, entredentes, Jonas também ri, ambos se olham até as risadas se diluírem naquelas sombras, deixando um completo silêncio por alguns segundos.
- A serra então. - O homem se vira, seguindo em direção da parede, Jonas prende a respiração e, assim que percebe seu algoz de costas, avança com o canivete, "Você estava certo, seu filho da puta, eu sou a porra do sabido!", pensa avançando com ódio e desespero, não iria parar, por Deus e o Diabo que não iria, já tinha traçado seu plano, e assim que acabar com este paraibano ele vai matar cada um dos desgraçados que armaram essa. Pelo menos era o plano até o homem se virar e aqueles olhos negros sem luz preencherem Jonas de medo, ainda sim sua mão avançou, mas foi detida pela mão esquerda rapidamente seguida por um chute que acerta entre as pernas, fazendo-o ficar de joelhos, então o homem segura sua camisa e desfere furiosos socos no rosto de Jonas, deixando-o no chão sangrando, seu corpo queria apagar, mas se apegava em sobreviver, precisava encontrar Luiza para fugirem juntos.
- O mau de todo sabido é achar que todo mundo é besta igual ele, fico triste pela garota. - Como assim?
- Você acha que a gente não iria saber? Cabra, você não sabe com quem se meteu, sua mãe nunca te contou o ditado do passarinho que come pedra?
- Acho que não ouvi enquanto pegava dinheiro da bolsa dela. - Jonas tenta rir, mas tosse, seu rosto dói, sente algo quente em sua calça, reza para que seja apenas mijo, acredita que só pode ser um blefe, não tem como ser verdade, "Preciso ganhar tempo e me recompor, fugir...", pensa deitado no chão.
- Mas agora já é tarde... Vou ter que ligar para o cabra que deixaram cuidando dela, ele não é nada profissional, cobra barato e faz um serviço de açougueiro. - Neste momento, o homem pega seu celular e o abre, tecla os números e conversa por alguns segundos, Jonas escuta a frase "A garota ainda pode falar? Isso, a tal de Luiza... coloca ela na linha...". Um terror súbito toma a alma do rapaz que soa frio, sua garganta trava de medo e nervoso, "Seria possível?", ele olha o senhor falando no celular, a postura e o olhar eram firmes, ele não era do tipo que blefava, para si era fácil ganhar tempo, não poderia morrer até conseguirem lhe arrancar a informação, mas Luiza não, ela não sabe de nada e não tem valor para eles exceto o de ser usada para pressioná-lo, poderiam muito bem matá-la apenas para coagi-lo a falar, Jonas amaldiçoou o dia em que realizou o golpe e repleto de dor sussurrou uma frase quase inaudível.
- Espera na linha... O que disse, rapaz?
- Eu conto tudo...se deixar ela em paz. - O homem coloca a ligação na espera, deixa o celular em cima de uma cadeira próxima e se aproxima do rapaz caído, ajuda-o a se sentar no chão, e do bolso, retira um caderninho de anotações.
- Certo, mas sem arrodeio, entendeu? - Ele escuta atentamente Jonas contar sobre como enganou os irmãos Rosado no grande assalto na joalheria do shopping, cada truque e desvio que fizera para esconder seu rastro, Jonas tremia, olhando o celular, ao contar onde escondera a mala com os diamantes, sentiu-se como um mágico revelando um grande truque, mas agora pouco importava o sigilo ou o seu orgulho, contanto que Luiza estivesse bem. Por fim o homem anotou tudo no caderninho e deixou Jonas ir atender o celular após explicar que queria apenas as informações, fazendo Jonas soltar um doloroso suspiro de alívio.
- Não queria te machucar tanto, garoto, mas negócios são negócios.
- Entendo, espero nunca mais ver o rosto do senhor, estou oficialmente aposentado.
- Faz bem, garoto, faz bem... Jonas vai mancando até o celular, a mão lentamente segura o aparelho e leva até a orelha sangrando, um som de tiro ecoa no galpão enquanto o som mudo do aparelho ficava cada vez mais distante, distante até Jonas se perder na escuridão.
Na igreja matriz o algoz acende uma vela, reza ao senhor para que o receba bem e que perdoe este seu filho por mandá-lo um pouco desfigurado, ironicamente, esta é a única condolência que Jonas irá receber, sua alma descana nos sonhos de Luiza que dorme tranquilamente, na esperança de encontra-lo de manhã, enquanto seu corpo jaz numa cova rasa coberto de cal.
Fim.
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Jonas na barriga da baleia
Short StoryJonas acorda em um galpão, a luz é pouca e o cheiro de sangue, seu sangue, e a dor são abundantes. Uma figura se aproxima das sombras, mas antes que possa ver o rosto Jonas já sabe que será uma longa e dolorosa noite e que só sairá vivo se for esper...