CAPITULO I
A estrada calma e levemente molhada é quase como uma terapia para mim, dirigir me dá uma sensação de liberdade inebriante, o que não é muito difícil de sentir quando se foi criada em uma casa como a minha... Todas as vezes que eu dirigia quando ainda morava com meus pais, pegar o carro e sair sozinha era como um segredo prazeroso e soturno, um empoderamento velado que me fazia sentir mais dona de mim e acho que no fim das contas ainda faz, mesmo depois de todos os anos. Eu gostaria de ter coragem de só sair por aí sem destino, dirigindo no ar fresco e dormindo a beira da estrada como naqueles filmes loucos dos anos oitenta, mas no fundo ainda sou um pouco a garota que morava com os pais, obediente demais para fazer qualquer coisa por mim mesma.
Eu sou dona de um novo e promissor jornal de circulação nacional, o Spectator, apesar de necessitar de muito do meu tempo o jornal não é meu único empreendimento, assumi a cadeira de acionista principal na companhia da minha família, os Hastings, que são uma proeminente família que estruturou sua fortuna no ramo imobiliário, os hotéis mais luxuosos e prédios mais inovadores de praticamente todas as capitais nacionais são da companhia Hastings. Basicamente, minha família começou construindo e vendendo casas para famílias abastadas que migravam para a grande Nova York quando tudo que ela possuía era lixo e amontoados de cortiços imundos, e assim como o dinheiro que vinha de muitas gerações as maldições também acompanhavam o sobrenome.
Minha mãe veio de uma família rica e tradicional, meu avô era sócio em uma companhia de seguros e minha avó uma perfeita dama, mas isso era irrelevante, para o azar da minha mãe existia o dinheiro dela e o do meu pai, que era mais importante e infinitamente mais rico que ela. Se conheceram ainda na escola, meu pai um cafajeste incorrigível e minha mãe uma jovem não tão recatada, ela era linda e amava viver, no fim das contas se casar com o meu pai e viver presa a obrigações frívolas e caras começou a matá-la, e no fim das contas ela sempre gostou muito de si mesma para se prender a um casamento infeliz, então quando eu tinha dois anos ela se mandou com uma companhia de balé, dando um fim escandaloso e chamativo para o casamento.
A família do papai que nunca a aprovou como esposa do precioso herdeiro deles entrou com o pedido de guarda e deu início a um litigio longo e cansativo, no fim das contas minha mãe desistiu de toda essa coisa e abriu mão de mim e se divorciou finalmente do meu pai e do maldito sobrenome. Eu a vejo algumas vezes por ano, ela se tornou uma grande bailarina e ingressou na companhia Americana de Balé. Quando eu tinha dez anos convenci minha babá da época a me levar para ver um dos seus recitais, minha mãe, a primeira bailarina, era quase irreal o quão bom ela era, postura perfeita e pés abençoados, eu acho irônico como ela, que é quase uma força da natureza conseguia se moldar a um par de sapatilhas de cetim. Ela é casada com o diretor de um balé francês, onde virou professora depois que os pés já não podiam mais dançar, mas ainda possuía o coração de bailarina.
Meu pai, um playboy milionário egocêntrico, foi responsável pela minha criação, bom, ele pagava as babás, mas apesar da nossa relação conturbada eu o amo, meu pai a pessoa mais importante no mundo para mim, ele era o acionista majoritário da Companhia Hastings, antes de passar esse título para mim, também é um importante financiador de vários empreendimentos, e um filantropo engajado, é uma pessoa maravilhosa, mas muito machucado pela vida para notar isso. Se casou cinco vezes, mas só amou verdadeira e apaixonadamente uma única mulher, Daiana, a primeira esposa depois da minha mãe, ele realmente achou que poderia ser feliz com ela, até ela fugir e se casar com um velejador guatemalteca, o problema talvez seja esse... ele sempre esteve desesperado para ser amado.
Meu avô era sofisticado e grandioso, daquelas pessoas que intimidam só de estar presente, ele tinha duas grandes paixões, o poder e o sobrenome, eu sempre acreditei secretamente que ele dormia com o Grande Gastby debaixo do travesseiro, era a bíblia dele. Meu pai foi por muito tempo o motivo das decepções dele, ele era um empresário ardiloso e um crítico implacável, foi meu grande mentor, me ensinou a como me impor e o que fazer pra chegar onde eu quero e me tornar grande como ele, desmanchou grande parte da minha humanidade no caminho, mas me deu assunto pra terapia, pelo menos. Ele morreu quando eu tinha 18 anos, eu não comia e nem falava, foi um dos maiores golpes que eu levei da vida, mas mesmo sofrendo foi como se eu finalmente pudesse respirar pela primeira vez em muitos anos, e Deus sabe como me sinto culpada por isso.
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Me apaixonei, e agora?
AdventureAmélie Hastings, uma herdeira workaholic, com medo de relacionamentos, reencontra sua paixão de juventude e se depara com um homem que é seu total oposto, e se encontra em uma aspiral que a obriga a questionar todas as suas escolhas e princípios. Um...