Mini-Conto

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Os gritos do meu pai misturados com o choro de minha mãe fizeram minha pele se arrepiar em completo horror.

Questiono-me o porquê de ter chegado a esse ponto enquanto junto algumas coisas dentro da mochila.               

— Com certeza amanhã papai estará calmo e...

— Não ligo se ele estará calmo — acabo soltando — Não voltarei mesmo que implorem.

— Mas por quê? — meu irmão mais novo se espanta — Aqui é sua casa!

— Mas não é meu lar.

— Lar é onde nosso coração está — ele lembra a frase que eu sempre repito, no entanto, dessa vez não faz efeito em mim.

— Nesse momento meu coração está fora da área de cobertura.

Fecho a mochila e dou um beijo em sua testa.

— Eu te amo — ele me abraça forte e só me solta quando o respondo da mesma forma.

Saio do quarto e passo pela sala de cabeça erguida. Eu queria sair pela janela do quarto, mas não posso dar razão a ele. Ando pelas ruas com os olhos turvos de lágrimas, minha mente não se perdoa e põe a culpa em mim. Total e somente em mim.

Se eu não tivesse ido para aquela festa...

Se eu não tivesse ido com aquele vestido...

Se Ashton não tivesse me agarrado...

Se eu não tivesse recusado...

Se Lilith não tivesse socado sua cara...

Se ela não tivesse beijado o canto da minha boca na frente de casa…

Os "SE" rodeiam minha mente até me ver caída no chão da pracinha. Não sei quanto tempo levei para chegar e como ainda estou viva. Eu poderia ter morrido atropelada e isso não seria um problema.

Encolho-me embaixo de uma árvore com os pensamentos fortes, indo e vindo com o intuito de me matar. Meu pai me expulsou de casa por acreditar em algo que não viu, mas quem está me matando sou eu mesma. Nunca pensei que seria capaz disso.

Apaixonei-me pela minha amiga, mas quem nunca? Eu, claro! E provavelmente meu pai, porque fui expulsa depois que meu outro irmão viu um beijo que não existiu e me dedurou.

A pior parte disso tudo foi o que realmente não existiu. Desde o início nos tornamos inseparáveis, mas nunca passou de amizade. O soco na cara de Ashton, depois dele ter abusado de mim, e o beijo no canto da minha boca; tudo amizade.

Até o dia de hoje raiou com um grande sorriso de deboche.

— Está bom demais para ser verdade, não acha? - o céu me perguntou.

E para ser sincera eu mal o escutei, estava focada em me apaixonar por Ashton e esquecer Lilith. No final não deu muito certo.

Meu celular vibra e faço um esforço para pegá-lo. O rosto rechonchudo e inchado de tanto chorar me encara pela tela preta, me desafiando a levantar e seguir em frente. Já me disseram que preciso ser forte e aguentar as pancadas da vida, mas está sendo difícil aguentar duas ao mesmo tempo.

Então me lembro do maldito telhado do shopping e só consigo pensar no que poderia acontecer se, de repente, eu fosse naquele lugar tão estranhamente convidativo.

Tento afastar esses pensamentos lendo a mensagem que recebi de minha tia:

“Venha para minha casa, Borboleta. A vida é uma droga de vez em quando, mas não deixe isso te abater. Existe essa família loucamente apaixonada por você te esperando.”

Respiro fundo e tento realmente esquecer meu corpo imundo e todas as dores que vem de dentro para fora.

Será que consigo me dar uma segunda chance?

Pensamentos não autorizadosOnde histórias criam vida. Descubra agora