Capítulo único

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Quando você me ouvir chorar, não fale, apenas me abrace e deixe o tempo passar.

O tempo tudo cura, você me disse. Mas por que só de pensar ainda dói?

Dentro do seu abraço, com seu calor aquecendo meu peito sem a chama característica da vida, procuro não olhar minhas mãos, pois elas estão rubras como se eu tivesse sido o malfeitor. Sinto a viscosidade desse líquido entre os dedos já limpos, sinto seu cheiro ferruginoso e minha boca amarga, não pelas lágrimas que descem torrencialmente pelo meu rosto, mas pela contínua constatação de que aqui já não mais está.

De olhos fechados, ainda envolto por tu, as coisas se repetem.

Vejo as pupilas se petrificarem.

Vejo o sangue jorrar, respingar, me afogar.

Vejo ele ir e me deixar.

As palavras não são proferidas, mas você sabe que eu o queria aqui.

A garganta pesa, a língua parece morta dentro da boca, minha voz se perdeu e ele não ouviu mesmo que estivesse em meu ombro, próximo, a centímetros de meu coração onde agora mora sem data de validade.

Seu corpo contra o meu só me traz a lembrança do calor dele se afastando aos poucos, seus músculos se relaxarem para nunca mais trabalhar, sua existência se apagando e indo sem mais nenhuma possibilidade de volta. Por quê?

As lágrimas, como rastros de fogo, rasgam minha pele sem eu as ter permitido.

Não me consolam, não trazem tranquilidade, são só mais uma prova viva de que não terei ele mais aqui. Por que mentiram dizendo que elas me ajudariam? Elas só fazem meus olhos se cansarem e arderem como meu interior que se dissolve em dor.

Minha pele aberta não expressa todo o sofrimento que sinto.

O sofrer físico nada é em comparação com o psicológico.

Tudo vai mal, tudo.

Meus sonhos já não me parecem mais tão importantes, minha própria vida tem pouca significância. Ele não me disse que não iria morrer? Do que valeu essa promessa se, mesmo podendo se salvar, se sacrificou? Nada mais tem o brilho de anteriormente.

Parece que sua ida levou embora todo o fogo que acendia minha animação para viver. As chamas que alimentavam vida dele se apagaram e levaram consigo todas as outras. Não há o calor de ter um lar, não há o aconchego de um alguém próximo.

O mundo, as pessoas, o existir dos outros permanece.

Tudo transcorre como o normal, mas nada, para mim, o é.

Tudo envolta está deserto, pois ele não está aqui. Tudo está certo.

Certo como dois e dois são cinco.

Um normal, certo, correto mais errado do que qualquer erro, maldição, desgraça que poderia acontecer.

Aos outros, não contem comigo, Estou quebrado, magoado, estraçalhado. Nada é mais como era antigamente e a vida, outrora tão saborosa, agora me é insossa. Não há o prazer de existir, não há a delícia de ser.

Diga-me, Torao, me salvou do pandemônio da guerra, impediu-me de acabar com essa vivência sem projeções, sem ambições, sem cor, sem calor, sem necessidade...

Podes salvar-me, mais uma vez e agora definitivamente, de mim mesmo?

Deixo sangrarOnde histórias criam vida. Descubra agora